São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Acabou a folga


Transição será a mais calma da era democrática, mas sem mudanças país terá muito menos folga para crescer

DAQUI A UNS três meses, haverá um governo pronto para tomar posse, com equipe nomeada e decidido a respeito das diretrizes de curto prazo, ao menos. Cedo para falar do próximo governo? Ou tarde, dado que até agora nenhum dos candidatos a presidente disse oficialmente algo que prestasse sobre o que interessa, em economia e política?
Pode parecer cedo, pois a princípio veremos a sucessão de governo mais tranquila da história democrática do Brasil, sem crise política ou econômica, com crescimento no melhor ritmo médio em 30 anos, contas públicas tristes, mas em ordem, contas externas sob relativo controle etc. Enfim, não há emergências.
Não há emergência, mas também não há a folga ou a "margem de manobra" do segundo mandato de Lula, quando o governo afrouxou o cinto, sentou no sofá e dormiu no ponto em que podia promover ou incentivar alguma mudança institucional relevante. Isto é, mudanças, "reformas", que façam a economia, a política, a Justiça etc. funcionarem de modo mais eficaz e/ou democrático.
A folga econômica tende a ser menor. Passou a euforia tola da "forte recuperação" da economia mundial, do mundo rico em particular, baseada em gastos do governo, juros zero, corte de salários e empregos e reposição de estoques. O lixo da crise ainda está para ser limpo, pois a sujeira foi escondida sob o tapete, com dívidas privadas transformadas em dívidas públicas.
O crescimento americano de 2011 deve ficar na metade do previsto para este ano, segundo a Economist Intelligence Unit (EIU). Mais importante para o Brasil, a China cresceria menos. Projeções do PIB de anos longínquos são muito precárias, mas a EIU estima que o crescimento chinês deve ficar em torno da média de 8,3% de 2011-13, ante 12,7% de 2005-07 e 9,5% dos anos "ruins" da crise, de 2008-10. O impulso de China e cia. é que deu a folga para o Brasil crescer além da conta das últimas três décadas terríveis.
A Europa Ocidental cresceria tão pouco que só voltaria em 2013 ao nível de produção de 2008. O Japão, ainda mais tarde. O crescimento do Mercosul cairia de 6% em 2010 para 3,7% em 2011. No caso do Brasil, de 7,8% para 4,5%. Dados da EIU.
Crescer 4,5% ainda é bom, embora o Brasil careça de mais. A fim de crescer mais e melhor, o país precisa reduzir dívida e juros, incrementar investimentos, mexer em impostos etc., o de sempre e mais consensual, para nem falar em outras "reformas" mais controversas. Precisa ainda de mudanças para fazer com que uma economia mais produtiva distribua renda, pois a capacidade de fazê-lo só por via do Estado está se esgotando, se não se esgotou.
Para tanto, é preciso conter gastos do governo, isso num período em que PIB e receita de impostos tenderão a crescer menos.
Não é impossível, claro, mas é mais difícil. Investir em infraestrutura, que grita de precária, em Copa, Olimpíada, educação, saúde, pré-sal e em idiotices como o trem bala, tudo ao mesmo tempo, é um problema. Ainda mais com promessas de reforma tributária, como fazem alguns candidatos. É quase impossível fazer reforma tributária sem que o governo federal tenha de bancar a conta da racionalização de impostos no resto da Federação.
Enfim, acabou a folga; ficou menor a onda que o país surfava. O que dizem os candidatos? Nada.

vinit@uol.com.br


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