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ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN
A pior bolha que ameaça o Brasil é a da presunção
Economista-chefe do Itaú-Unibanco diz que perigo é achar "que não precisamos mais de reformas e que seremos a bola da vez sempre"
Luciana Whitaker/Folhapress
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O economista Ilan Goldfajn, em shopping no Rio de Janeiro
SAMANTHA LIMA
DO RIO
Nada de bolha imobiliária
ou do consumo. Para o economista-chefe do Itaú-Unibanco e ex-diretor do Banco
Central, Ilan Goldfajn, a
maior ameaça à economia
brasileira é achar que o crescimento nos livra da necessidade de avançar nas reformas fiscal, previdenciária e
trabalhista.
"A bolha que nos ameaça é
a da presunção. Não seremos
a bola da vez sempre."
Segundo ele, é possível aumentar rapidamente o investimento em 2011, mas, para o
país crescer, é preciso também reduzir a burocracia.
Goldfajn vê poucas chances
de retrocesso na independência "de fato" do BC, seja
qual for o candidato que vencer as eleições. A seguir, trechos de entrevista à Folha.
Folha - O sr. acha, assim como
o FMI, que o Brasil crescerá
abaixo dos emergentes em
2011?
Ilan Goldfajn - O mundo
procura alguém para consumir. Emergentes têm mercado consumidor. É o mesmo
na China, na Índia. Os recursos entrarão para financiar o
investimento. China e Índia
crescem mais porque não temos capacidade de investir
tanto. Não temos poupança.
Como aumentar rapidamente
a taxa de investimento dos
atuais 18% do PIB para 25%,
necessários ao crescimento
sustentável?
Dá para ir para 22%, sem
reformas, em 2011. Isso implica um ajuste no governo
em 1% do PIB, realocando esse volume, de gastos para investimentos. E permitindo
maior deficit em conta-corrente [troca de bens, serviços
e rendas do país com o mundo], com algum limite. Não
dá para ir para 25% porque
temos limitação de oferta na
capacidade produtiva.
Se fizer mais reformas, é
possível conseguir até sem
deficit externo. Aí nosso crescimento iria de 4% ou 5% ao
ano para 6% ou 7%. Precisamos melhorar o ambiente de
negócios, reduzir a burocracia, que trava o crescimento.
Não se fala nisso porque é como obra em encanamento: é
bom para todos, mas ninguém vê.
O sr. vê alguma ameaça à economia brasileira?
A ameaça vem de fora. A
Europa ainda tem risco. Não
vejo risco no sistema imobiliário. A alta de preço é isolada. As pessoas compram casa para morar, não para especular. A bolha que nos ameaça é a bolha da presunção,
achar que já conquistamos o
mundo, que não precisamos
de reforma, que seremos a
bola da vez sempre.
Temos muitos problemas:
infraestrutura, educação,
burocracia, impostos. Ainda
somos o décimo pior país em
distribuição de renda.
Temos pela frente Copa,
Olimpíada, pré-sal. O que fazer para evitar que se gaste e
sobrem elefantes brancos?
Temos que evitar fazer tudo de última hora. Veja os aeroportos. Há dois anos discutimos, tem gente que acha
ruim privatizar. Ruim é não
ter aeroporto. Se fizermos tudo minimamente estruturado, dá para fazer coisas que
fiquem.
A desaceleração da economia, depois de o PIB ter crescido 9% no primeiro trimestre, é definitiva?
O segundo trimestre foi
mais fraco. O mundo se desacelerou, o consumo de commodities, as exportações, o
investimento, mas isso vai
mudar. No Brasil, o consumo
arrefeceu porque as pessoas
perderam temporariamente
a vontade de comprar e a
isenção de IPI acabou. Agora, isso vai se reverter, porque as pessoas têm renda.
A taxa básica de juros voltou
a subir, para segurar a inflação. Podemos sonhar com taxa de novo abaixo de 10%?
Mas estamos avançando.
Tínhamos juros de 45% em
1999. Vai cair, mas não amanhã. Sem reformas, levaremos de cinco a dez anos; com
reformas, cinco.
O mercado vai pensar: "O
governo terá menos deficit,
logo os juros vão cair". Aí
compra títulos de longo prazo com juros mais baixos, antecipando a queda.
O senhor identifica risco de o
mundo mergulhar de novo
em uma crise em 2011?
Não. Nos EUA e na Europa,
não vai haver recessão nem
crescimento como antes. Depois da crise, o crescimento
foi rápido e não se manteve,
aí veio decepção. Não sejamos bipolares. O que tinha
antes era bolha, percepção
de riqueza inexistente.
Estamos em uma parada
para respirar. Os europeus
estão rolando dívidas, fazendo ajustes fiscais. E os emergentes vão voltar melhor porque na China, na Índia e no
Brasil temos mais projetos.
Qual é sua impressão sobre as
propostas econômicas dos
candidatos a presidente?
O país precisa de mais investimento em infraestrutura, melhorar a educação, fazer a reforma da Previdência.
Nossa carga tributária é alta.
Em diferentes graus, os candidatos vão procurar no Orçamento espaço para investir
e formas de reduzir gastos
correntes.
Todos se preocuparão com o
gasto?
Não, mas em aumentar o
investimento, sim, porque
haverá pressão. Até porque
não tem outra fonte. Poderia
ser com recursos externos,
mas há o deficit no balanço
de pagamentos [saldo de todas as transações do país
com o exterior].
Além disso, a população
quer menos tributos. Isso será possível porque a arrecadação cresce com a legalização das empresas e a formalização dos trabalhadores. Há
pressão contra o exagero dos
gastos. E, quanto mais se reduzem os gastos, mais cai o
juro.
O sr. vê risco de intervenção
no BC?
Todo mundo está satisfeito com a autonomia de fato.
Mas os governos não querem
perder o poder de trocar o
técnico se algo estiver errado.
A sociedade também não
percebeu a vantagem de ter
um BC independente. Com
autonomia de direito, caem
os juros porque as desconfianças do mercado diminuem. Mas não vejo risco de
retrocesso, por mais que os
candidatos critiquem.
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