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ENTREVISTA EVGENY MOROZOV
Tecnologia pode reforçar cenários de desigualdade
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE STANFORD COLOCA EM DÚVIDA SE AS NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO PODEM FORTALECER A DEMOCRACIA
LUCIANA COELHO
EM BOSTON
A internet não vai salvar o
mundo, prega Evgeny Morozov. Em meio à ladainha de
que as novas tecnologias de
comunicação disseminam e
fortalecem a democracia, esse professor da Universidade
Stanford (Califórnia) alerta
que o louvor é arriscado.
Plataformas descentralizadas como blogs e redes sociais são mais suscetíveis à
manipulação do que a mídia
tradicional, diz.
Para Morozov, que estuda
a relação entre a rede e a política, governos autoritários já
usam a internet a seu favor. E
governos democráticos falham em entender os efeitos
da tecnologia em realidades
distantes da sua.
A redenção, afirma ele
nesta entrevista à Folha, está
no ceticismo e na melhor regulação da rede.
Folha - A internet nos tornou
mais vulneráveis?
Evgeny Morizov - Há quem
pense que seu volume de informação nos permite achar
soluções e transpor barreiras
prévias, e há quem ache que
ele nos deixa perdidos, falando só com quem pensa como
nós e abertos a mensagens de
governos e empresas.
Eu fico no meio. Alguns
governos autoritários estão
fazendo experimentos com
propaganda ideológica e se
tornarão muito ativos na internet. Nada na rede dificulta
espalharem sua mensagem
com mais ressonância do que
nunca.
O uso da internet por esses
governos é eficaz?
Muito. O Kremlin e o [presidente iraniano Mahmoud]
Ahmadinejad têm conta on-line, mas eu falo de operações sigilosas, em que se paga blogueiros ou se subsidia
sites para tentar mudar a opinião pública. Em locais como
a ex-União Soviética, tende-se a confiar mais na blogosfera, descentralizada, do que
nos jornais, antes controlados pelo governo.
E em países democráticos?
Muito depende da cultura
de mídia, da estrutura do
mercado e do histórico. Mesmo nos EUA as plataformas
descentralizadas são vulneráveis à manipulação. É muito mais fácil subornar cem
blogueiros do que o conselho
editorial de um jornal.
A descentralização [da mídia] em si não leva a um debate mais razoável. Nem no
contexto autoritário nem no
democrático.
As novas mídias já têm a credibilidade da tradicional?
Nem sempre se precisa de
credibilidade para ser lido.
Um partido ou uma empresa
que queira ligar seu produto
a uma ideia só precisa garantir sete ou dez blogs, que vão
postar links uns dos outros,
como bola de neve, até chegar à capa de algum jornal.
O ponto é quão viral é a
mensagem. Com Twitter e
Facebook, é fácil as pessoas
postarem links. Mas quando
a mensagem é chata, você
quer garantir uns blogueiros.
Empresas de divulgação oferecem serviços assim.
Pouca gente vê ou fala disso.
É difícil julgar se o nível de
propaganda e desinformação é maior do que antes da
internet. O importante é a velocidade com que a informação se espalha e observamos
se isso está criando pressão
sobre políticos e servidores
públicos, forçando-os a agir
sem avaliar consequências.
A mídia tradicional pode se
ver nessa situação?
Vejo muitos exemplos no
qual a urgência piorou a situação. O que ocorreu no Irã
[nos protestos por suspeita
de fraude na eleição presidencial de 2009], por exemplo. O único canal de acesso
era o Twitter depois que os
correspondentes saíram.
Isso levou a mídia a exagerar o papel da internet na cobertura. Gente que trabalhava para o governo americano
confiou na mídia. Só depois
viram que muitas informações não vinham de gente no
Irã. É preciso observar a qualidade do jornalismo-cidadão em zonas de conflito.
Não se confia demais na ressonância universal da internet? O abismo digital ainda
existe.
É difícil medir o abismo
nos EUA, mas, nas suposições que os diplomatas americanos fazem sobre o mundo, ele pesa. O advento dos
celulares, por exemplo, desfez a desigualdade, permitiu
às pessoas ganharem mais,
serem mais livres?
Uma vez que você introduz
tecnologia em cenários de
desigualdade, ela não melhora as coisas. Muitas vezes,
ela reforça o que existe.
Há essa crença nos EUA e
na Europa Ocidental de que
há algo mágico na tecnologia
que vai dissolver todas as
barreiras e desigualdades. É
uma enganação.
O sr. então recomenda ceticismo.
A única coisa que podemos fazer é ver se as decisões
são as melhores, se não estamos bancando projetos que
piorem a situação.
No Departamento de Estado dos EUA há especialistas
em inovação que sabem tudo
do Vale do Silício e nada do
contexto cultural das regiões
com que trabalham.
A campanha de [Barack]
Obama e a fascinação dele
com tecnologia criaram a
presunção de que ela deve
ser usada a qualquer custo e
fará os problemas sumirem.
O sr. exalta a internet como
ferramenta de democracia
deliberativa. Os internautas
querem se envolver em política?
Há muito pouco que a democracia deliberativa possa
fazer para mudar o debate sobre mudança climática ou regulamentação financeira,
mas em temas locais ela pode
impactar. Tentar incorporar
mais gente no processo decisório, sobretudo em questões
de tecnologia, como as políticas de privacidade do Facebook, faz todo o sentido.
Passamos do ponto em que se
podia preservar a privacidade no Facebook?
Não. Não vejo nada errado
com quem quer dividir todas
as suas informações, mas
quero que as pessoas tomem
decisões bem informadas.
Não há uma mudança cultural na geração mais jovem,
mais disposta a se expor?
Não gosto dessa discussão, acho que foi orquestrada
por empresas como o Facebook, que gostam de falar sobre inevitabilidade, dizer que
só fazem as ferramentas, que
se não fizerem alguém fará.
A internet deve ser regulada?
Não é uma questão de
"se", é uma questão de como
regulá-la.
As pessoas muitas vezes
não percebem quantas leis
existem para garantir sua liberdade de expressão.
Não queremos a regulação
do Irã e da China, mas nem
por isso não vamos ter nenhuma regulação.
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