São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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MARIA INÊS DOLCI

Classe C vai mudar o Brasil


Louvar a ascensão social é fácil, mas os novos consumidores merecem muito mais do que isso


A CLASSE C FOI o grande xodó da economia em 2010. Se mantiver ao menos parte do crescimento de seu poder aquisitivo, irá influenciar, definitivamente, as relações de consumo.
As famílias com renda entre R$ 1.530 e R$ 5.100 já representam mais da metade dos brasileiros e respondem por quase 42% do que é consumido no Brasil.
Isso é muito bom para todos.
É fundamental, contudo, que todas as instâncias do poder público que lidam com direitos do consumidor modifiquem drasticamente seu modo de agir.
As agências reguladoras, por exemplo, terão responsabilidade crescente no respeito aos direitos desses consumidores. Cada vez que arbitrarem em favor exclusivo de empresas, prejudicarão milhões de brasileiros que chegarem aos mercados de telefonia, energia elétrica, aviação civil, combustíveis, transportes etc.
Industriais e lojistas deverão aprender, e rapidamente, a oferecer produtos mais baratos, mas de qualidade e com serviços que respeitem o Código de Defesa do Consumidor.
Os investimentos em educação para o consumo consciente deverão ser ampliados para que o poder aquisitivo seja acompanhado de conhecimento das intrincadas vinculações entre compras, ambiente e cidadania.
O Banco Central terá de ser mais vigilante acerca de abusos na concessão de empréstimos, para que esses brasileiros não fiquem à mercê da agiotagem disfarçada sob o crédito sem exigência de comprovação de renda.
É preciso construir imóveis cujas prestações caibam no bolso de milhões de famílias, para reduzir o imoral deficit habitacional.
Todas essas necessidades ainda não atendidas significam mais mercado, investimentos, empregos e geração de renda. Que poderão retirar milhões de brasileiros da pobreza absoluta. Um círculo integralmente virtuoso.
Louvar, portanto, a ascensão social é fácil, mas os novos consumidores de classe média merecem muito mais do que isso.
Um dos nós mais apertados que devem ser desatados é o atendimento pós-venda, quando o cliente precisa reclamar, trocar ou exigir a entrega de um produto. Aí, realmente, estamos muito mal.
Embora os canais de contato se multipliquem, com atendimento pela internet, on-line, telefone, e-mail, as respostas continuam padronizadas. As soluções demoram, enroladas na burocracia e no desrespeito aos direitos mais básicos.
Dentre eles, o de pagar e receber exatamente aquilo que foi adquirido, no prazo combinado.
Há outras questões importantes a discutir, de ordem político-econômica, como a estúpida e irracional carga tributária, que nunca sacia sua voracidade. Um marco desse avanço no bolso dos brasileiros é a falta de correção da tabela do Imposto de Renda, que provoca perdas proporcionais muito maiores na classe C.
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, afirmou em seu discurso de posse que uma de suas metas é a classe C consumir mais.
É uma visão positiva, que deve se concretizar por meio de medidas para que o aumento da renda, sua distribuição mais equânime e o maior poder de compra sejam acompanhados por uma mudança cultural profunda.
Ou seja, de uma relação mais transparente e digna entre fabricante, lojista e clientes. A proibição judicial da divulgação de testes comparativos de produtos, por exemplo, que já ocorreu várias vezes no Brasil, não pode se repetir.
Os novos clientes podem ajudar o Brasil a crescer de maneira sustentada, com mais justiça social. Temos que aproveitar este momento positivo para também aperfeiçoar as relações de consumo.
Não se esqueçam, detentores do poder, que os integrantes da nova classe média votam, e que vão aprender cada vez mais a defender seus direitos.
É melhor para todos os brasileiros que as mudanças ocorram por inteligência e respeito à lei. Um país só é realmente desenvolvido quando os direitos não precisam ser cobrados a cada segundo. Vale o que está escrito. Ainda chegaremos lá.

MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve quinzenalmente, às segundas, nesta coluna. Internet: mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

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