São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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ENTREVISTA DA 2ª

HEINER FLASSBECK

Alemanha é a fonte de desequilíbrio na Europa

PARA DIRETOR DA UNCTAD, APERTO SALARIAL REDUZIU IMPORTAÇÃO DO PAÍS E CONTRIBUIU PARA AUMENTAR O DEFICIT DE PARCEIROS

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO DE JANEIRO

A Alemanha -e não Grécia, Espanha ou Portugal- é a principal fonte de desequilíbrio estrutural na região do euro, diz o economista alemão Heiner Flassbeck.
Flassbeck foi vice-ministro das Finanças de seu país em 1998 e 1999, quando foi implantado o euro. Hoje, dirige a Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Unctad (conferência da ONU para comércio e desenvolvimento), na Suíça.
Ele explica: ao praticar arrocho salarial nos últimos dez anos, com aumento real de apenas 4% no período, muito abaixo do crescimento da produtividade, a Alemanha passou a comprar menos e aumentou ainda mais a competitividade de seus produtos em relação aos dos demais países da zona do euro.
Como a moeda única impede que os vizinhos mexam no câmbio para estimular suas exportações, eles passaram a ter deficit comerciais e em conta-corrente (saldo de todo o dinheiro que entra e sai do país), enquanto a Alemanha acumula superavit.
Para Flassbeck, sem um movimento coordenado para sair desse impasse, "não haverá solução a longo prazo" para a união monetária.
Ele estará em São Paulo nesta semana. Falará na Unicamp e participará de debate sobre "novo desenvolvimentismo", organizado pelo economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, colunista da Folha. Leia, abaixo, trechos da entrevista, concedida por telefone, de Genebra.

 

FOLHA - Por que o pacote de resgate e os cortes de gastos anunciados na Europa não acalmaram os mercados? Heiner Flassbeck - O que fizeram foi atacar o problema de curto prazo, mas o de médio e longo prazo na zona do euro é a diferença de competitividade entre a Alemanha e os países do sul da Europa. Há tensões entre Alemanha e França porque falta vontade ao governo alemão para resolver a questão. Sem isso, não haverá solução de longo prazo para a área do euro.

O sr. diz que parte dessa diferença de competitividade vem da compressão dos salários na Alemanha, em comparação com os ganhos no sul. A Espanha cortou salários e congelou aposentadorias. É uma forma de resolver isso?
Não é a maneira correta. Se o problema não for atacado de modo coordenado, todo mundo cortará salários e isso levará à deflação, maior risco para a zona do euro, resultado mais provável neste momento e a principal razão de a inquietação continuar.
Enquanto o governo alemão não reconhecer que há um problema, e enquanto não estiver disposto a conversar com seus empresários e sindicatos sobre como resolvê-lo, não haverá uma saída clara da crise.

O sr. defende que a Alemanha reduza a própria competitividade por meio de aumentos de salários?
Sim. A Alemanha cortou os salários dramaticamente e violou a meta comum de inflação [de 2% ao ano], praticando inflação perto de zero.
Os dois estão relacionados e o custo unitário do trabalho [salário nominal menos produtividade, por unidade gerada do PIB] está abaixo da meta de inflação.
Isso leva a uma situação insustentável. O superavit [comercial] alemão está tão grande quanto o chinês.

A OCDE (31 países industrializados) divulgou relatório sobre a economia francesa recomendando mais flexibilidade no trabalho e reforma da Previdência. É o oposto do que o senhor prescreve, não?
Isso é nonsense. A França é o único país europeu que entendeu as causas da crise. Se todos os países começarem a cortar salários, o resultado certo será deflação.
Essa recomendação reflete o pensamento econômico convencional, de que ter salários flexíveis, principalmente para baixo, resolve tudo. Foi o dogma que a Alemanha seguiu e que nos trouxe à situação atual.

O aumento da competição da China e dos EUA, que querem aumentar suas exportações, não é um desafio para o Estado de bem-estar europeu?
Não. Enquanto tivermos aumento de produtividade, os salários podem aumentar.
Sempre que fizermos o oposto, cedo ou tarde nossa taxa de câmbio aumentará, o que diminui a competitividade.
Você não pode estar sempre ganhando competitividade em relação ao resto do mundo. Mais cedo ou mais tarde, a taxa de câmbio vai reagir.
Quando um país tem um grande deficit em conta-corrente, normalmente deprecia sua moeda, e desse modo toda a competitividade que você ganhou vai embora. Não há outro modo para o mundo elevar o bem-estar do que subindo salários de acordo com a produtividade. Essa será a mensagem de nosso próximo relatório sobre comércio e desenvolvimento. Se você quiser ser bem-sucedido, externa e internamente, é o mais importante.

Como responde ao argumento de que Europa tem alto nível de desemprego porque os salários são altos e o mercado de trabalho é pouco flexível?
É totalmente errado. No caso da Alemanha, houve só um efeito positivo do "dumping" salarial, que foi encher os vizinhos com suas exportações. Internamente, a política foi um desastre. Não houve aumento dos investimentos nem do consumo.

Antes dos pacotes de estímulo para contornar a crise financeira de 2008, não havia um problema fiscal na maioria dos países europeus. Agora esse é apontado como o maior problema. Por quê?
Isso é parte da batalha ideológica. As pessoas agora dizem que o governo é o problema, e não que resolveria todos os problemas, como se dizia há dois anos. Mas os que devem ser culpados pela confusão em que estamos são os mercados financeiros.
Os neoclássicos querem usar esse argumento [problema fiscal] para voltar à batalha e talvez serem os vitoriosos no fim. Então declaram os governos falidos, o que é falso: nenhum governo agora está falido, e os problemas podem ser resolvidos.
Os mercados dizerem que não querem dar dinheiro aos governos é ridículo, porque tiveram dinheiro deles e agora se recusam a pagar.

Como o sr. vê o argumento de que países como Grécia, Espanha e Portugal têm vivido acima de seus meios?
E um país grande tem vivido abaixo dos seus meios, que é a Alemanha. Se isso for reconhecido, temos base para uma discussão razoável.

Folha.com
Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/101435


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