São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

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ANÁLISE

Deterioração da conta externa mostra que o Brasil vive além da sua capacidade

SÉRGIO VALE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em seu leito de morte, o eternamente perdulário Oscar Wilde (1854-1900) pediu champanhe alegando que gostaria de morrer como sempre viveu, ou seja, acima de seus meios.
Essa história, falsa ou não, calha bem ao momento recente da economia brasileira. Em vários aspectos, parecemos fadados novamente a tentar viver acima de nossas capacidades. Seja no fiscal, que não se aguenta dentro da própria receita, seja nos projetos megalomaníacos, como o Trem de Alta Velocidade.
Mas uma dessas tendências negativas vem aparecendo sorrateiramente, e é justamente a deterioração das contas do setor externo. E o terrível é ter de dizer que, de novo, corremos risco em algo que já devíamos ser doutores em evitar. Aqui não resisto a outra lembrança, também condizente com épocas de inflação alta. Dizia Mário Henrique Simonsen (1935-1997) que a inflação esfola, mas a crise do balanço de pagamentos mata.
Longe de mim dizer que corremos risco de alguma crise no balanço de pagamentos. Não é isso. Mas corremos novamente o risco de uma deterioração da conta-corrente que poderá ser difícil de administrar.
A balança comercial deste ano já mostrou sinais de fraqueza, com o inexorável crescimento mais veloz das importações. Como estamos crescendo em ritmo médio maior do que o resto do mundo, nada mais natural que as importações se expandam também em ritmo mais forte.
De fato, para exportações que crescerão quase 30%, teremos importações aumentando cerca de 42%. Essa diferença deve se manter em 2011, quando projetamos crescimento das exportações de pouco mais de 20%; para importações, cerca de 30%.
No caso das exportações, mesmo com nossa expectativa de que os preços das commodities subam ainda na margem, difícil imaginar alta tão acelerada como a que tivemos neste ano, quando a exportação de produtos básicos subiu mais de 40%. Trabalhamos com produtos básicos vendendo cerca de 25% a mais em 2011.
As importações acompanham o compasso de crescimento da economia doméstica. Não esperamos grande desaceleração para 2011. Um PIB de 4,5% está harmônico com nossa expectativa de expansão das compras externas. Com isso, teremos o saldo da balança comercial caindo para US$ 2,7 bilhões no próximo ano.
Além da continuidade da deterioração nos outros itens da conta-corrente (envio de lucros e dividendos, transportes, viagens etc.), teremos um deficit em conta-corrente de quase US$ 70 bilhões.
Como o governo aparentemente tentará manter um padrão forte de crescimento para os próximos anos, o risco será aumentar ainda mais esse deficit, fazendo com que ele chegue a 5% do PIB, um número simbólico das dificuldades que poderemos ter para financiar tal deficit.
Há solução? A única passa por fazer um ajuste fiscal severo, que ajude a aumentar a poupança pública e desacelere a economia a ponto de desaquecer o crescimento das importações. Sem esquecer que isso também é essencial para controlar a inflação.
Mas, em tempos de temperos novos na política econômica, como um "piso para o câmbio", parece que o ajuste fiscal continuará esquecido no fundo do armário.

SÉRGIO VALE é economista-chefe da MB Associados.


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