São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2010

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MARIO MESQUITA

Segundo mergulho?


A convalescença de grandes crises é prolongada e se caracteriza por vários anos de crescimento reduzido

NO QUE se refere à análise de conjuntura, o debate recente tem se concentrado, tanto no exterior como no país, na questão da probabilidade de um segundo mergulho, ou seja, o retorno à recessão, no G3 (Estados Unidos, Europa e Japão).
Cabe observar inicialmente que o cenário básico, compartilhado por organismos multilaterais e áreas de pesquisa de grandes instituições financeiras, é de recuperação lenta da economia mundial.
As projeções mais recentes do FMI, divulgadas em julho, são de crescimentos de 4,6% em 2010 e de 4,3% em 2011, sendo 2,6% e 2,4% nas economias avançadas e 6,8% e 6,4% nas emergentes, respectivamente. Na verdade, em julho o Fundo revisou para cima, ainda que modestamente, sua projeção para o crescimento do PIB mundial, ante os números divulgados em abril -alta de 0,4 ponto percentual.
As preocupações mais recentes têm sido centradas onde tudo começou, na economia americana, com taxa de desemprego próxima a 10% e pedidos de seguro-desemprego que chegaram recentemente à marca dos 500 mil.
Essa economia parece viver um ciclo vicioso que assegura o crescimento baixo: mercado de trabalho fraco deprime o consumo das famílias, o que restringe a atividade e aumenta a inadimplência, levando à persistência das condições creditícias restritivas, o que contribui para desestimular a criação de vagas, e assim por diante.
A propósito, as dificuldades do mercado imobiliário residencial têm contribuído para aumentar a persistência do desemprego nos Estados Unidos.
Famílias com hipotecas que valem mais do que o imóvel e sem acesso ao crédito experimentam dificuldades inéditas em se deslocar de um lado a outro do país, o que tem reduzido a mobilidade da mão de obra -foi-se o tempo em que os efeitos de uma crise no setor automotivo em Michigan eram superados com o aumento da migração para a Califórnia.
As autoridades americanas têm como reagir. Do lado monetário, o Fed pode comprar títulos públicos de médio e longo prazos para reduzir os custos do crédito. Pode também reduzir a remuneração ou mesmo punir depósitos de instituições financeiras em suas contas.
As perspectivas para ação fiscal, via novo pacote de estímulo, são mais limitadas, seja porque a crise já levou a um expressivo aumento da dívida pública, seja porque o Congresso, onde os republicanos devem ter maior influência a partir das eleições, ficará mais resistente.
Tais iniciativas, se adotadas tempestivamente, podem limitar o risco de um segundo mergulho, mas não farão os EUA voltarem a crescer rapidamente. Há abundantes evidências empíricas de que a convalescença de grandes crises financeiras é prolongada e se caracteriza por vários anos de crescimento reduzido; os EUA não devem ser exceção.
Na Europa, as perspectivas também são de crescimento lento, ainda que com pontos de esperança, como a economia alemã. De fato, na semana passada o Bundesbank (Banco Central alemão) elevou de 2% para 3% sua projeção de crescimento para 2010.
A recuperação alemã, inicialmente liderada pelas exportações, parece estar se tornando mais generalizada, com aceleração do consumo, o que é boa notícia para as demais economias do continente. Vale notar que, com exceção das economias periféricas, os programas de ajuste fiscal recentemente anunciados na Europa são geralmente graduais, e podem ser ajustados à luz da evolução da conjuntura.
A retomada alemã, uma economia aberta, foi certamente beneficiada pela depreciação do euro. O oposto tem ocorrido com o Japão, cuja moeda tem apreciado tanto em relação ao dólar como ante o euro.
A relativa falta de dinamismo do setor exportador tem, por sua vez, levado ao esmorecimento da confiança na economia, contribuindo para sua falta de dinamismo.
Trata-se, em resumo, de um quadro delicado, no qual, apesar de algumas notícias positivas, o risco de um segundo mergulho persiste, ainda que o cenário com que aparentemente trabalham as autoridades seja de crescimento lento, mas sem nova recessão.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker


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