NELSON DE SÁ
ARTICULISTA DA FOLHA

"Vamos sentir sua falta no palco", escreveu John Biggs, editor do TechCrunch, despedindo-se de Steve Jobs.
O domínio cênico de Jobs nasceu na lendária "Mac Keynote" de 1983, o primeiro dos rituais de idolatria -de jornalistas, inclusive- que se repetiriam por três décadas.
Ele se lançou então como o defensor da "liberdade", contra a IBM, que "quer tudo". Questionando se "Orwell estava certo sobre 1984", projetou o célebre comercial de Ridley Scott em que a IBM é o Grande Irmão, na tela rompida por uma explosão -do Macintosh.
A apresentação foi cortada por aplausos, gritos, como sempre, a partir daí.
Com o tempo, o Grande Irmão deixaria de ser a IBM para se tornar a Microsoft ou, mais precisamente, o Windows. E sua doença tornaria os cultos ainda mais messiânicos. Ao lançar o iPhone, em 2007, a plateia de jornalistas começou a ovacionar descontroladamente antes mesmo de ser informada de que produto se tratava.
Três anos depois, no anúncio do iPhone 4, Jobs não conseguiu operar o aparelho e foi ainda mais aplaudido. Avisado que o problema era o excesso de conexão Wi-Fi na plateia, falou aos jornalistas para desligar os laptops -e todos desligaram.
Ao lançar o iPad, muito magro, sentado o tempo todo, repetia: "É simples assim, é muito, muito simples". Não era, mas não importava.
A idolatria já nem requeria o antagonismo de um Grande Irmão.
A mais significativa exceção, no culto, é Tim Berners-Lee, o criador da world wide web. Ele alertou meses atrás para o fato de que "a web como a conhecemos está ameaçada por alguns de seus mais bem-sucedidos habitantes", que querem "quebrá-la em ilhas fragmentadas".
Por exemplo, os "mundos fechados" da Apple, caso do iTunes, onde "você é preso na armadilha de uma loja, em vez do mercado aberto". E Jobs se torna, ele próprio, o Grande Irmão.


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