São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 2010

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JEAN PISANI-FERRY

Reforma monetária internacional


A tarefa não é fácil, pois nos últimos 20 anos, além da academias, ninguém se interessou pelo tema


CASO O PRESIDENTE francês Nicolas Sarkozy tivesse escrito o prólogo para seu período na presidência do grupo dos 20 (G20), que acaba de se iniciar, não teria feito melhor.
O período preparatório para a conferência de cúpula do G20 em Seul foi marcado por uma série de controvérsias cambiais. E embora as intenções francesas de reformar o sistema monetário internacional tenham sido recebidas inicialmente com ceticismo, de repente a reforma passou a parecer a prioridade correta, no momento correto.
A tarefa nada tem de fácil. Ninguém se interessou pelo tema nos últimos 20 anos, fora do mundo acadêmico. Portanto, não existem muitas propostas abrangentes em circulação. Os Estados Unidos, para os quais uma reforma financeira internacional seria sinônimo de redução no papel mundial do dólar, encaram a ideia sem grande entusiasmo.
A China, que a lançou, está feliz por ver que a discussão está ganhando ímpeto, mas não tem propostas precisas a oferecer. Os países emergentes desejam que seus problemas atuais sejam resolvidos, mas não estão prontos a reescrever as regras do jogo.
O Japão está disposto a participar, mas sua posição quanto à cooperação regional não é compatível com a da China. E a Europa não está atenta ao tema devido à distração causada por suas crises internas. A agenda da reforma se resume a quatro problemas essenciais.
O primeiro é o dos relacionamentos cambiais. As moedas dos países desenvolvidos vêm flutuando livremente umas em relação às outras já há décadas, mas no caso dos países emergentes isso não é completamente verdade.
Por outro lado, manter taxas de câmbio fixas frequentemente conduz a problemas de supervalorização ou subvalorização. E os regimes de taxas de câmbio flutuantes e fixas convivem de maneira inquieta, porque as moedas que flutuam sem restrições tendem a estar mais sujeitas a volatilidade.
O segundo problema está em impor disciplina às políticas nacionais, a fim de impedir que os países cedam à tentação de exportar sua inflação ou desemprego internos. Sob o padrão ouro, a disciplina era automática. No caso das taxas de câmbio flutuantes, isso não acontece.
O terceiro problema se relaciona à liquidez internacional. Os fluxos financeiros são excessivamente voláteis. Os países emergentes recebem inundações de capital um dia, e no dia seguinte ficam sujeitos a fugas súbitas e fortes de capital que causam desestabilização.
A fim de impedir que suas moedas passem por valorização ou desvalorização excessiva, os países emergentes passaram a acumular reservas cambiais.
O objetivo nesse caso seria tornar desnecessário esse tipo de manobra isolada de garantia, ao permitir acesso a linhas internacionais de crédito caso aconteçam fugas súbitas de capital privado.
O quarto problema é o da ancoragem coletiva. Os principais bancos centrais têm como preocupação principal a inflação que eles podem controlar -a inflação interna de seus países. Mas isso desconsidera a inflação mundial propelida pela alta nos preços das commodities.
Esse problema não era importante no ambiente do combate à inflação nos últimos dez anos, mas vem ganhando destaque, o que provavelmente explica por que Robert Zoel- lick, o presidente do Banco Mundial, propôs que o papel do ouro no sistema monetário internacional seja restaurado.
Robert Mundell, economista premiado com o Nobel, certa vez comparou um regime monetário a uma constituição política, porque ele estabelece as regras do jogo. A comparação procede, mas infelizmente também mostra o quanto a tarefa de reformar a ordem monetária internacional é ambiciosa e desafiadora.

JEAN PISANI-FERRY é diretor do instituto de pesquisa europeu Bruegel.

Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci


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