São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 2011

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MARIA INÊS DOLCI

Cerco à agiotagem


O fim do endividamento só virá com a conscientização das pessoas, especialmente das mais sujeitas a golpes


FOI CONCLUÍDA a proposta da comissão de juristas para atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Embora as instituições de defesa do consumidor ainda não tenham obtido acesso ao teor das proposições (o que foi prometido para o segundo semestre deste ano), algumas foram divulgadas aos meios de comunicação.
Como a de que todas as empresas envolvidas na concessão de crédito sejam obrigadas a informar claramente quanto o consumidor terá de pagar, somando os juros e todas as taxas.
Hoje, intermediários dos empréstimos ficam em um limbo, sem fiscalização do Banco Central.
Como as mudanças no CDC parecem inevitáveis, sugiro, também, um controle mais efetivo de empresas que atuem com agiotagem explícita. Elas isentam os interessados em obter empréstimos de apresentar comprovantes de renda ou bens como garantia. Em troca, cobram juros que beiram a extorsão. Um "mãos ao alto" sem que a vítima perceba.
Os cidadãos são abordados nas calçadas com ofertas de dinheiro sem burocracia. Obviamente, essa atividade tangencia a usura, a ilegalidade. E o pior é que seus alvos são pessoas com pouca informação e escolaridade, de baixa renda, enredadas assim em um cipoal interminável de dívidas.
Embora os bancos tradicionais não sejam vestais no relacionamento com seus clientes, estão no mercado oficial, mais sujeitos à fiscalização e às normas legais.
Caberia ao BC ser mais rígido com essas instituições, cobrando mais transparência e punindo-as sempre que avançassem o sinal nas taxas e na venda casada (imposição de aquisição de seguros ou de cartões de crédito, por exemplo, para a concessão de empréstimos).
O endividamento dos brasileiros é uma bomba de efeito retardado. Já se fala, fora do país, em uma "bolha de crédito" que poderia estourar por causa da inadimplência dos consumidores.
A ampliação do crédito, com instrumentos como o consignado (descontado em folhas de pagamento de salários, aposentadorias ou pensões) disfarça a baixa renda da maioria das pessoas.
Aposentados são explorados por familiares e conhecidos, muitas vezes forçados a contrair uma dívida consignada. Quando não caem em golpes dos "pastinhas" -vendedores terceirizados pelos bancos em pequenas cidades ou localidades distantes dos grandes centros.
Na ânsia de obter comissões, alguns desses correspondentes induzem as pessoas a se endividar, com omissão de informações fundamentais, como os custos e a duração do crédito.
Nesses casos, a sugestão é simples: se forem realmente representantes de bancos e cometerem crimes, as instituições financeiras também deverão ser responsabilizadas pela falta de critérios na escolha de quem trabalha para elas.
Aos governos caberia, além da fiscalização, o papel de informar os novos consumidores que chegam ao mercado sobre os riscos de dever demais. Afinal, para isso há todo um aparato de comunicação (TVs públicas, agências de notícias, redes de radiodifusão), financiamento para peças teatrais e filmes, assessorias de órgãos públicos, de secretarias e de ministérios.
Por mais que o CDC receba novos artigos para cercear os golpes nos empréstimos, o fim do superendividamento só ocorrerá com a conscientização dos cidadãos, principalmente dos mais sujeitos a golpes -idosos que residem em distantes rincões deste imenso país.
No caso das pessoas comuns, como eu e vocês, caros leitores, um dos melhores instrumentos é a velha calculadora. Mesmo os menos familiarizados com matemática podem fazer uma conta bem simples: somar o valor da prestação às contas comuns de todos os meses.
Se as dívidas superarem ou se aproximarem da renda mensal, não haverá como pagá-las. É melhor economizar para comprar daqui a alguns meses, sem recorrer a empréstimos. O consumidor demorará mais para desfrutar da nova TV ou do sofá da sala. Mas não perderá o controle de sua vida financeira.
A satisfação será bem maior, podem acreditar.

MARIA INÊS DOLCI, 56, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
Internet: mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Nizan Guanaes



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