São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

O breve verão "progressista"


Esquerda não reagiu nem com a crise; conservadores ganham na Europa e podem bater o muito ameno Obama

FAZ MENOS de dois anos, gente de índole progressista e mesmo os nem tanto estava animada com a eleição de Barack Obama. Os mais fanáticos acreditavam no início de uma "nova era" na política americana doméstica e externa. Atribuíam ao recém-eleito presidente a capacidade, se não de abrir o mar Vermelho, ao menos de fechar rachas ou abismos entre negros e brancos, Estados Unidos e muçulmanos e até, mais difícil, entre israelenses e palestinos.
Seria um político "pós-racial". Tentaria dar cabo de guerras e reduziria as tensões da política mundial. Obama inventaria um novo polo dinâmico para a economia dos EUA, mais adequado ao espírito do tempo, por meio do estímulo à "economia verde". Regularia as finanças. Pregava uma reforma da saúde que atenuasse uma das mais gritantes desigualdades dos ricos nos EUA.
Não é pouca coisa. Mas a competência da oposição e o lamaçal econômico podem acabar com esses sonhos de grandeza de Obama. Os democratas correm o risco grande de levar uma tunda na eleição legislativa de novembro. A economia não deve andar muito melhor no ano que vem. Caso se confirme a previsão de que os democratas podem perder a maioria na Câmara e/ou no Senado, Obama estará ainda mais encrencado. Mesmo minoritários, os republicanos já criavam dificuldades para Obama.
O prestígio do presidente americano já havia sido lascado pela emergência de um movimento popular conservador à vitória democrata e às intervenções do governo "nos negócios". A recuperação da economia coincidiu com a queda de popularidade de Obama -não apareceram mais empregos. Porém, até esse impulso que tirou os EUA da recessão vai passando.
O crescimento do PIB dos EUA no segundo trimestre deve ser revisado de 2,4% para 1,4%, ao menos segundo enquetes de Reuters e Bloomberg com economistas. As estimativas de crescimento para o terceiro trimestre estão sendo cortadas pela metade. A economia parece rodar a um ritmo anual de 2%, taxa que para a Europa seria até um luxo, mas que deve ser insuficiente para reduzir o desemprego e o subemprego de modo politicamente relevante, segundo os entendidos.
Há muito pouco que o governo Obama possa fazer para melhorar tal situação no médio prazo (mais de dois anos) -pode mais é ajudar a piorar. Nomeou, de resto, uma equipe econômica capaz, mas convencional, conservadora. Não importa mais que Obama tenha herdado a crise, resultado de péssimas políticas do democrata Bill Clinton e do republicano George Bush, filho, e de um pico histórico de picaretagem, incompetência e domínio político da finança. A "culpa" agora é do presidente de turno.
Obama corre o risco de ser um breve interlúdio num ciclo político e econômico ainda conservador. Os republicanos podem voltar ao poder. A finança, grogue durante a crise, está de pé; a "volta do Estado", já entrou na berlinda. Não se escutam mais as patacoadas sobre a "morte do neoliberalismo". No mundo rico, a crise não suscitou nenhum movimento político dito "progressista". Nos EUA, o conservadorismo popular se reorganizou de maneira nova. Na Europa, além da apatia política, há xenofobia crescente e a centro-direita vence eleições.

vinit@uol.com.br


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