São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2010

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OPINIÃO

Decisão ilude os poupadores e leva alegria aos banqueiros

MARIA INÊS DOLCI
COLUNISTA DA FOLHA

Quem se lembra da época em que a inflação escapava a qualquer tentativa de controle? Os índices mensais na casa dos dois dígitos desafiavam os governos, que lançavam pacotes econômicos quando o cenário político ficava insustentável.
Foi dessa forja que saíram os planos Bresser, Verão e Collor 1 e 2. A herança desses "pacotes", como eram chamados, ficou nas perdas salariais e nos valores depositados em poupança.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou na quarta-feira dois recursos contra o ABN Amro Real e a Caixa Econômica Federal.
E decidiu contra os poupadores, o que configurou uma derrota dos direitos dos consumidores afetados por medidas unilaterais de governos, como ocorreu naqueles planos econômicos.
Para piorar, o STJ disfarçou sua malvadeza sob o manto da aparente bondade.
Sim, porque a sentença deu ganho de causa aos poupadores. Definiu reajustes de 26,06% para as poupanças lesadas pelo Plano Bresser, de 42,72% para as do Plano Verão, de 44,80% para as afetadas pelo Plano Collor 1 e de 21,87% para as do Plano Collor 2.
Muito bom, não? O truque foi inserir um filtro, reduzindo o prazo de prescrição das ações coletivas de 20 para 5 anos. Para as ações individuais, manteve os 20 anos.
Com uma tacada só, alijou praticamente todas as ações coletivas, que representam 99% do total de 70 milhões de contas que fariam jus aos reajustes.
De quebra, o STJ padronizou decisão de abril, em favor da prescrição após cinco anos. Um golpe de mestre que pareceu beneficiar os consumidores. E que, na verdade, fez o que as instituições financeiras queriam. Como na antiga propaganda, parece, mas não é.
Se tivesse aceitado a tese dos poupadores, o STJ teria enviado um sinal claro aos governos de que não poderiam fazer o que bem entendem, atropelando direitos e a própria legislação.
Foi uma oportunidade perdida, cujas consequências negativas vão além do que os poupadores deixarão de receber. O uso de pacotes econômicos, geralmente anunciados à meia-noite para dificultar reações das pessoas, marcou negativamente o regime autoritário e o começo da redemocratização.
O sucesso do Plano Real em debelar os índices inflacionários apagou essa memória dos brasileiros nos últimos 16 anos. Já há jovens que nem fazem ideia do que era correr para as compras ao receber o salário, antes que este se liquefizesse, corroído pela carestia.
Os cidadãos com mais de 30 anos, contudo, viveram e sofreram naquele período. Milhões foram lesados pelos pacotes malsucedidos, e agora esperavam boas notícias da Justiça. No Brasil, porém, as boas notícias costumam frequentar mais os endereços das instituições financeiras.


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