São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JEAN PISANI-FERRY

O caminho da reforma financeira


Ainda que ninguém declare "missão cumprida", não é verdade que nada foi feito pela reforma das finanças

HÁ DOIS ANOS, os governos salvaram o pescoço dos mercados financeiros mundiais. Hoje, esses mesmos mercados estão intimidando os governos, ao menos alguns deles.
O mercado para os títulos de dívida gregos está congelado, e os "spreads" de taxas de juros entre as dívidas denominadas em euro da Alemanha e da Irlanda atingiram recentemente níveis alarmantes.
A Espanha obteve sucesso na redução de seu "spread" com relação à Alemanha, mas apenas depois de uma reviravolta na política econômica. Portugal anunciou um grande pacote de austeridade, na esperança de obter efeito semelhante.
Mesmo quando não estão em risco de perder acesso ao mercado de títulos, a maioria dos governos de países desenvolvidos aguarda, hoje, os pronunciamentos das mesmas agências de classificação de crédito que há poucos meses eram alvo de suas intensas críticas.
A virada na fortuna é chocante. Para a opinião pública, a impressão é a de que os arrogantes profissionais dos mercados financeiros nada aprenderam com a crise, o que alimenta a impressão de que nada mudou -exceto para pior. Os governos -cuja missão é domesticar os mercados financeiros nacionais- parecem ter produzido muito ruído, mas pouca reforma.
Mesmo que ninguém esteja proclamando "missão cumprida", não é verdade que nada foi feito quanto à reforma das finanças.
Em estudo do instituto Bruegel, de Bruxelas (bit.ly/egULHT), Stéphane Rottier e Nicolas Véron fazem uma avaliação abrangente do progresso realizado na reforma da regulamentação financeira ao longo dos dois últimos anos, a começar do programa acordado em novembro de 2008 durante a reunião do G20 em Washington.
É certo que eles consideram que a implementação vem sendo hesitante, com uma disparidade entre os itens cujo acompanhamento foi atribuído a instituições internacionais fortes como o FMI e aqueles que devem apenas ser coordenados entre as autoridades nacionais.
Em termos gerais, porém, os resultados estão bem acima de zero. De fato, os Estados Unidos adotaram reformas financeiras amplas em julho, a Europa está dando os passos finais para a aprovação de um pacote legislativo e o Comitê de Basileia acaba de dar luz verde para um substancial reforço nas regras sobre o risco do crédito.
O padrão de comparação adotado nesse estudo está longe do ideal, convém ressalvar. O programa que o G20 definiu em Washington (assinado por George W. Bush) não era ambicioso ou bem estruturado.
Não tinha por objetivo domesticar as finanças internacionais e não se baseava em análise completa da crise. Sob pressão de agir sem demora, e incapaz de identificar prioridades para a reforma estrutural, naquele momento os governos simplesmente definiram uma lista de afazeres longa e indistinta.
Passados quase dois anos, a reforma financeira continua incompleta, porque a agenda ainda está evoluindo. Era inevitável, já que prioridades novas e mais definidas só poderiam surgir depois de um período de reflexão e debate. O lado negativo é que parte do ímpeto se perdeu, especialmente no nível do G20. O apetite por soluções mundiais se reduziu, e as políticas nacionais ganharam controle cada vez maior sobre a agenda.
Mas um desdobramento positivo foi a criação de instituições públicas mais fortes. A era em que Londres se vangloriava de sua regulamentação amena é coisa do passado. Agora, EUA e Europa estão construindo instituições capazes de criar -e implementar- reformas sustentadas. Ao pararem para refletir, os governos não perderam a oportunidade política de tomar medidas duras, e os mercados financeiros tampouco retomaram a primazia.
Da mesma forma que aprendemos a distinguir entre o governo acionista e o governo fiscalizador, hoje precisamos aprender a distinguir entre o governo devedor e o governo regulador das finanças. Mesmo que isso soe injusto, é lógico esperar que as agências de classificação de créditos, que foram omissas na avaliação de riscos de crédito, agora se tornem rigorosas na avaliação de todas as formas de risco, incluindo o risco soberano.
Os livros de história ainda não foram escritos, e o vencedor ainda não foi declarado. A reforma financeira ainda pode soçobrar. Mas é prematuro classificá-la como fracasso.


JEAN PISANI-FERRY é diretor do Bruegel, instituto internacional de pesquisa econômica. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
James Kynge


Texto Anterior: Vaivém - Mauro Zafalon: Alta do álcool chega mais cedo aos postos de SP
Próximo Texto: Informática: HP anuncia que fará reposição de baterias
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.