São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2010

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MARIO MESQUITA

Mercados e economia real


Com tanta incerteza, não surpreende que os mercados financeiros tenham perdido o ímpeto nos últimos meses

SEGUNDO a sabedoria convencional, amparada pela experiência de décadas, as viradas nos mercados financeiros, em especial de ações, antecedem em seis meses as inflexões da atividade econômica nos EUA. Sendo assim, a recuperação dos mercados acionários a partir do primeiro trimestre de 2009 teria sinalizado a recuperação da atividade econômica a partir do terceiro trimestre.
Mais recentemente, muitos analistas têm interpretado o aumento de volatilidade e da aversão ao risco nos mercados financeiros como um sinal de que a economia mundial estaria diante de uma nova desaceleração importante.
Por sua vez, os indicadores econômicos disponíveis ressaltam as dificuldades no mercado de trabalho americano e, do outro lado do Atlântico, a vitalidade da economia alemã, liderada pelas exportações, até recentemente ajudadas pelo recuo do euro. Tudo, por enquanto, coerente com uma recuperação, longe de espetacular e sujeita a riscos, da economia mundial.
As autoridades internacionais respondem à conjuntura de forma heterogênea: uns pregam a necessidade de retornar de imediato ao rigor fiscal, de forma a reforçar a confiança dos mercados na solvência do setor público, ao passo que outros ressaltam a incerteza prevalecente quanto à durabilidade da recuperação e sua disposição para reforçar, se necessário, as políticas expansionistas.
Cabe notar que parte do desconforto dos mercados reflete incerteza exatamente quanto às políticas econômicas e iniciativas regulatórias nas economias maduras.
Do ponto de vista de política fiscal, aumentos de impostos sobre o setor financeiro satisfazem a demanda, bastante intensa nos EUA e no Reino Unido, da sociedade por retribuição, mas não contribuem para restaurar o apetite por risco no setor.
Em linhas mais gerais, a deterioração da situação fiscal nas economias maduras gerou expectativas, em vários casos já confirmadas, de aumentos da carga tributária, o que dificilmente contribuirá para aumentar o otimismo e a disposição de gastar de empresas e famílias.
O ambiente regulatório, por sua vez, segue incerto. Nos EUA, a Lei Dodd-Frank estabelece um arcabouço para diversas normas cujos detalhes ainda estão por ser definidos pelas agências de supervisão bancária (por exemplo, definições precisas de situações de conflito de interesse entre bancos e seus clientes).
Aliás, certa ou erradamente, lideranças empresariais nos EUA vêm adotando tom crescentemente crítico quanto à piora do ambiente regulatório no país, nos mais diversos setores, e não apenas o financeiro, depois da crise, o que também não contribui para uma retomada do investimento.
Já na Europa, somam-se a essas questões as dúvidas sobre o estado do sistema bancário. A propósito, começam a se difundir nos mercados avaliações céticas quanto ao efetivo grau de dificuldade dos testes de estresse bancários recentemente publicados. As preocupações referem-se, em especial, a hipóteses adotadas pelos diversos reguladores sobre o comportamento dos preços dos imóveis e da taxa de desemprego, que são fundamentais na modelagem da trajetória esperada da inadimplência dos empréstimos bancários.
Com tantas fontes de incerteza, sobre o estado da economia bem como o ambiente regulatório, não surpreende que os mercados financeiros tenham perdido seu ímpeto nos últimos meses, abandonando a exuberância exibida em 2009.
Ainda que o comportamento recente dos mercados não seja sinal seguro de novo mergulho recessivo, as autoridades internacionais estão certas em evitar atitudes complacentes -as lideranças europeias, por exemplo, estão corretas em não tomar como permanente e imutável a classificação de seus títulos como grau de investimento.
Quem não tiver margem fiscal terá espaço de manobra muito limitado para lidar com uma possível recaída da atividade econômica e uma nova deterioração do sistema bancário.


MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker



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