São Paulo, domingo, 29 de maio de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

NOURIEL ROUBINI e STEPHEN MIHM

Empréstimos e muita reza


A Europa não pode ficar despejando dinheiro e orando para que o tempo propicie a salvação


OS PAÍSES que formam o chamado grupo Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) sofrem com o peso cada vez mais insustentável de dívidas pública e privada.
Portugal, Irlanda e Grécia viram disparar seus custos de captação nas últimas semanas, mesmo depois que suas perdas de acesso aos mercados resultaram em resgates comandados pela União Europeia e pelo FMI. Os custos de captação espanhóis também estão em alta.
A Grécia está claramente insolvente. Mesmo com um pacote draconiano de austeridade, de valor equivalente a 10% de seu Produto Interno Bruto, a dívida pública grega deve atingir 160% do PIB.
Portugal, onde o crescimento passou uma década estagnado, está experimentando uma calamidade fiscal em câmera lenta, que resultará em insolvência do setor público.
Na Irlanda e na Espanha, a transferência de imensos prejuízos do sistema bancário para o balanço do governo, somada a dívidas públicas já em alta, deve, no futuro, resultar em insolvência do setor público.
A abordagem oficial, o plano A, foi fingir que essas economias estavam passando por uma compressão de liquidez, e não um problema de solvência, e que oferecer empréstimo de resgate -acompanhado por reformas estruturais e austeridade fiscal- poderia restaurar a sustentabilidade de suas dívidas e seu acesso aos mercados financeiros.
Essa abordagem do "emprestar e fingir" ou "emprestar e rezar" inevitavelmente fracassará, porque, infelizmente, a maioria das opções que países devedores utilizaram no passado para se livrar de dívidas excessivas não está disponível.
Por exemplo, a solução mais tradicional, que envolve imprimir mais dinheiro e escapar da dívida via inflação, não está disponível para o grupo Piigs, porque seus integrantes estão presos na camisa de força da zona do euro. A única instituição que pode rodar as impressoras para criar dinheiro -o Banco Central Europeu (BCE)- jamais recorrerá à monetização de deficit fiscais.
Para restaurar o crescimento, esses países precisam reconquistar competitividade por meio de depreciação real de suas moedas, o que transformaria deficit comerciais em superavit. Mas a alta do euro -estimulada pelo aperto monetário excessivo conduzido pelo BCE- implica em mais valorização, o que solaparia ainda mais a competitividade.
Reduzir os consumos privado e público a fim de elevar a poupança privada e implementar medidas de austeridade fiscal que reduziriam a dívida pública e privada tampouco é uma opção viável. O setor privado pode gastar menos e poupar mais, mas isso envolveria um custo imediato conhecido como o "paradoxo keynesiano da frugalidade": queda na produção da economia e alta da dívida como proporção do PIB.
Recentes estudos do FMI e de outras instituições sugerem que elevar impostos, reduzir subsídios e cortar gastos governamentais -mesmo que se trate de gastos ineficientes- serviria para sufocar o crescimento em curto prazo, o que exacerbaria o problema subjacente da dívida.
Se o grupo Piigs não pode recorrer a inflação, crescimento, desvalorização ou poupança como forma de escapar aos seus problemas, o plano A ou já fracassou ou está a caminho de fazê-lo. A única solução é adotar rapidamente o plano B -reestruturação e redução ordeira das dívidas dos governos, das famílias e dos bancos desses países.
Isso pode acontecer de diversas maneiras. Seria possível executar uma reforma ordeira da dívida pública dos países do grupo Piigs sem reduzir o valor do principal. Isso implicaria em prorrogar o vencimento dos títulos e reduzir os juros sobre novos papéis de dívida a patamares muito inferiores aos níveis atuais e insustentáveis do mercado.
A Europa não pode continuar simplesmente despejando dinheiro para resolver o problema e orando para que o crescimento e o tempo propiciem a salvação. Ninguém descerá dos céus para resgatar o FMI ou a União Europeia. Os credores e os detentores de títulos que fizeram os empréstimos iniciais precisam arcar com sua parte da carga, a bem dos países do grupo Piigs, da União Europeia e de seus próprios lucros.

NOURIEL ROUBINI e STEPHEN MIHM são coautores de "Crisis Economics: A Crash Course in the Future of Finance" ("Economia em Crise: Um Curso Rápido sobre o Futuro das Finanças").

Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci



Texto Anterior: Novo porto inicia operações em Santa Catarina
Próximo Texto: Games 1: Presos chineses tinham lucro na internet
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.