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ENTREVISTA DA 2ª
ARMÍNIO FRAGA ECONOMISTA
Tirar alimento e combustível da inflação seria erro social
AS PESSOAS "COMEM E ANDAM DE ÔNIBUS", DIZ EX-PRESIDENTE DO BC,
SOBRE PROPOSTA DE MANTEGA DE CRIAR ÍNDICE COM EXCLUSÃO DE ITENS
VERENA FORNETTI
TONI SCIARRETTA
DE SÃO PAULO
Armínio Fraga, 53, presidente do Banco Central entre
1999 e 2002, é contra mexer
no índice de preços que serve
para balizar as metas de inflação, conforme proposta do
ministro da Fazenda, Guido
Mantega.
O governo cogita criar um
índice que exclua a variação
de preços de alimentos e dos
combustíveis, itens que costumam puxar a inflação para
cima, muitas vezes sob influência de fatores climáticos
e externos.
Eventualmente, esse índice poderia ser usado para balizar as metas de inflação e
facilitar a redução dos juros.
Para Armínio, a meta deve
corresponder ao que importa
para a sociedade. "O povo come e anda de ônibus."
Na gestão de Armínio, o BC
instituiu o regime de metas
de inflação. Na época, trabalhou com Alexandre Tombini, futuro presidente do BC.
Armínio classifica o colega
como crítico e firme, mas
construtivo e "de fino trato".
Para ele, será "um luxo" tê-lo
à frente do Banco Central.
Folha - Qual é a avaliação do
sr. sobre a proposta de expurgo da variação dos produtos
alimentícios e dos combustíveis da inflação? Acha que
funcionaria aqui, dado nosso
passado inflacionário?
Armínio Fraga - Acho um
erro, inclusive social e político, excluir qualquer coisa do
índice. A meta de inflação
tem que corresponder ao que
importa para a sociedade; só
assim o valor do salário fica
protegido. E o povo come e
anda de ônibus. Já passei pelo BC, e pensei muito nisso.
O BC leva em conta choques de oferta e choques temporários na condução da política monetária, o que resolve bem a questão levantada
pelo ministro Mantega.
Chegou o momento de alterar
a meta de inflação?
O próprio governo sinalizou que, em algum momento, seria interessante reduzir
a meta. Seria positivo. O país
está com meta de 4,5% [IPCA] e inflação um pouco acima. Não se pode considerar
que a situação é definitiva.
Ela funcionou muito bem
ao longo desse tempo, mas
em algum momento seria
bom caminhar em direção
dos nossos pares. Daqui a
dois anos, que se determine
que vá para 4%.
Não recomendo nada muito radical, mas, à medida que
seja possível, aos poucos,
chegar a uma inflação mais
baixa, talvez seguindo o caminho do Chile, em torno de
3%, [a redução da meta] ajudaria a diminuir a incerteza,
os juros nominal e real.
Seria um passo positivo,
mas não está na hora porque
a revisão é no meio do ano.
E meta para a dívida pública?
Penso que seria importante perseguir essa meta que a
presidente eleita sugeriu, de
30% de dívida líquida. A dívida bruta ainda é próxima de
50%. Vai ser necessário preservar esse superavit [primário, economia que o governo
faz para pagar juros] de 3%.
Há mágica para reduzi-la?
Acho importante que seja
3%, sem muita criatividade.
E que se sinalize que os 3%
vão valer pelos quatro anos,
a menos que se tenha uma
desaceleração. É importante
dizer que vai funcionar assim
porque daria confiança ao investidor de longo prazo e ajudaria a reduzir os juros.
Quando o sr. fala "sem criatividade", quer dizer impedir
mecanismos como o da capitalização da Petrobras?
O caso da Petrobras foi, de
longe, o mais importante. Levando adiante o que o
BNDES tem sinalizado, que
não pode continuar todo ano
a receber aporte de grandes
dimensões, ele pode reinvestir seu lucro, se o governo
achar que não precisa do dividendo. Mas não pode capitalizar todo ano o BNDES,
elevando a dívida bruta.
Não consigo imaginar
uma política econômica que
tenha mais impacto no crescimento do que aquela que
consiga reduzir o juro sem a
volta da inflação.
O sr. defende que se reduza a
ênfase dos bancos públicos
no financiamento de infraestrutura. Como isso pode ser
feito no momento em que há
tanta demanda por crédito?
Existe o crédito que financia o investimento e o que financia o consumo. Do lado
do investimento, onde está o
BNDES, o que tem de acontecer é uma mudança na direção de exigir também a participação do setor privado.
Precisa ter coparticipação.
Com o tempo, o BNDES sozinho não dará conta.
Como ele pode fazer isso?
O BNDES vai ter de fazer
duas coisas: começar a exigir
mais participação privada e
ser mais seletivo. Vai ter de
deixar de financiar a Petrobras, que pode se financiar
no mercado. O mercado vai
se virar. Pode ter certeza.
O sr. acha importante ter institucionalizada a autonomia
no BC ou essa é uma discussão do passado?
É uma discussão importante. A autonomia tem produzido bons resultados em
momentos difíceis. Mas, sem
força de lei, não tem garantia. Acredito que isso que está
acontecendo [a tradição de
autonomia] talvez seja até
mais importante do que a lei.
A experiência de vários
países mostra que a lei, por si
só, não garante.
Provavelmente, tem mais
peso o fato de que o governo
que chega registre com clareza sua posição.
O sr. acha que, enquanto a autonomia não estiver no papel,
haverá desconfiança?
É importante institucionalizar. Isso terá de ser feito na
sua hora, quando se consolidar a visão, no mundo político, de que é bom, de que ajuda a manter a inflação baixa
com custo baixo e com benefícios enormes. E, à medida
que se aproxime de um consenso, talvez valha a pena
aprovar a lei para que sirva
como mecanismo de defesa.
Como o sr. vê a chegada do
novo governo e a indicação
de Tombini para o BC?
[Vejo] sinais de que se vai
fazer um ajuste fiscal que
precisa ser feito. E sinais claríssimos de que o BC vai continuar trabalhando nesse
modelo, em que o governo
escolhe a meta e o BC corre
atrás. A escolha do Tombini
foi extremamente feliz.
O sr. trabalhou com ele no BC.
Como ele é no dia a dia?
Ele teve uma participação
importante na operação inicial do sistema de metas de
inflação. É um profissional
de mão-cheia, que defende e
argumenta com firmeza, mas
é uma pessoa de fino trato. É
uma combinação boa para
trabalhar: tem uma posição
crítica, mas é construtivo.
Desde o seu mandato, o BC
tem uma reputação inabalável de guardião da moeda e
de supervisor do sistema financeiro. O que o sr. acha da
cobrança ao BC por não ter
percebido antes os problemas no PanAmericano?
O BC tem um trabalho de
acompanhamento muito
bom, mas sempre existe o risco de alguma coisa como essa acontecer. O BC tenta amenizar, mas, estatisticamente,
é difícil pegar uma fraude.
Qual será o legado de Henrique Meirelles à frente do BC?
Ele deixa um legado de
grande coragem, de ficar firme perseguindo o objetivo
social mais importante do
BC, que é manter a inflação
baixa. E fazer isso de maneira
transparente, absolutamente
consistente ao longo de oito
anos. É um feito. Meirelles
merece parabéns e uma homenagem por muitos anos.
Como o BC deve se relacionar
com o câmbio?
O câmbio é uma questão
relevante. Acho pertinente
pensar nisso e tentar zelar
para que não haja nenhum
excesso não sustentável.
Ninguém sabe com certeza
qual é o nível certo do câmbio. O que precisa ser corrigido -e que seria a resposta-
seria a taxa de juros.
O país precisa construir
condições institucionais para [o juro real] cair de 6% para 3%. Seria um santo remédio para muita coisa, inclusive para o câmbio. É irresistível para um investidor global
olhar para o Brasil, um país
que vai bem e que paga 11%
de juros. É irresistível.
O sr. chegou subindo juros,
como Meirelles. Isso é um
bom presságio para iniciar
um mandato no BC?
O BC vai ter de enfrentar
várias dessas situações. Penso que ele vai fazer um diagnóstico e tomar as providências que serão necessárias e
com a convicção de que isso é
bom. No longo prazo, esse é o
caminho para ter juros mais
baixos, mais longos e com
menos incerteza.
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