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ENTREVISTA RICARDO HAUSMANN
Sucessor não terá a mesma sorte de Lula, diz economista
PROFESSOR DE HARVARD DIZ QUE, APESAR DO CAPITAL POLÍTICO, LULA NÃO FOI CAPAZ DE FAZER REFORMAS SIGNIFICATIVAS COMO AS DE FHC
Scott Eells - 28.jan.09/Bloomberg News
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Ricardo Hausmann, diretor do Centro para Desenvolvimento Internacional da
Universidade Harvard
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
"A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor. Mas o próximo presidente do Brasil não
terá a mesma sorte."
Com esse comentário, em
entrevista à Folha, o economista Ricardo Hausmann, diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da
Universidade Harvard e um
dos mais respeitados especialistas em teoria do desenvolvimento econômico, encerrou uma série de críticas
ao governo Lula.
Em 2008, ele escreveu o
estudo "In search of the
chains that hold Brazil back"
("Em busca das correntes
que freiam o Brasil"), afirmando que a política de expansão fiscal dos anos recentes, alavancada pelo BNDES
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), é insustentável.
E, segundo ele, pode ter o
mesmo efeito "desastroso"
para a economia que a política externa de Lula teve para a
diplomacia.
FOLHA - Houve avanços desde
que o sr. escreveu sobre as
barreiras ao crescimento no
Brasil em 2008?
RICARDO HAUSMANN - Talvez você se lembre que
[no estudo] eu era otimista
sobre muitos aspectos estruturais do Brasil. O Brasil tem
um setor privado muito forte,
tem muito potencial de crescimento do investimento em
muitas áreas promissoras.
Mas, nos anos de boom antes da crise de 2008, o Brasil
era um dos países que cresciam às menores taxas na
América Latina.
Minha avaliação era a de
que isso se devia a uma taxa
baixa de poupança doméstica, que exigia taxas de juros
ridiculamente altas para evitar que a economia tivesse
um aquecimento excessivo.
Aí veio a crise e o governo
respondeu com políticas anticíclicas. Aumentou significativamente a oferta de crédito via BNDES e Banco do
Brasil em um momento em
que havia uma parada cardíaca financeira.
Diria que, de forma geral, a
crise foi bem administrada.
Mas o principal problema
com muitos países, e o Brasil
é um exemplo, é que, quando
as coisas começam a parecer
bem, eles se tornam arrogantes. Passam a acreditar num
mundo de fantasia.
O que o sr. quer dizer com
mundo de fantasia?
Só porque o Brasil teve por
um trimestre uma taxa de
crescimento acima de 7%, o
Brasil agora é a nova China e
o Lula é um gênio das finanças, e todos os problemas anteriores não existem mais
porque o Brasil é um país diferente.
Há toda uma narrativa que
tem sido criada por conta de
alguns bons trimestres no
Brasil que pode levar a políticas macroeconômicas muito
inconvenientes. Essa narrativa é particularmente conveniente na época de eleições.
A primeira coisa que já está acontecendo é que a Selic
[taxa de juros básica da economia] está subindo. Se você
quisesse que a Selic aumentasse menos, a ideia seria
compensar com políticas fiscais e de empréstimo pelo setor público mais estritas.
Porque, de certa forma, o
Brasil é um país esquizofrênico. Você tem uma política fiscal em que o BNDES tem o pé
no acelerador e o Banco Central tem o pé no freio.
Essas combinações são
particularmente perigosas
porque deixam a Selic muito
alta em um período em que
as taxas de juros globais estão muito baixas.
Isso leva os investidores a
pegar dinheiro emprestado
em dólares, em ienes ou em
euros para colocar dinheiro
no Brasil, o que gera uma forte apreciação da taxa de juros
e a possibilidade de desindustrialização.
Alguns defensores da atuação recente do BNDES citam
países da Ásia que atingiram
altas taxas de crescimento
sustentado por meio de políticas industriais. O que o sr.
acha desse paralelo?
Não tenho problemas com
políticas que complementam
o setor financeiro, viabilizando a disponibilidade de crédito para investimentos em
áreas difíceis da economia.
Não sou, de forma alguma,
crítico em relação à contribuição potencial do BNDES
para o desenvolvimento do
país. Mas é uma organização
que foi desenvolvida na época da inflação alta para proteger a economia das taxas
de juros reais muito altas.
A inflação não é mais um
problema no Brasil.
Seria possível que o
BNDES mantivesse o foco de
sua política em empréstimos
para investimentos municipais, investimentos de longo
prazo, apoiando pequenas e
médias empresas, mas a uma
taxa de juros que refletisse a
Selic e não a uma taxa de juros que é muito inferior à Selic, que cria a distorção de gerar demanda excessiva pelos
fundos que o BNDES tem de
gerenciar.
O sr. vê o crescente deficit em
conta-corrente do Brasil, em
tempos recentes, como um
problema?
A deterioração do deficit
em conta-corrente indica que
a expansão do gasto no Brasil é mais rápida do que a expansão da produção.
O efeito disso é apreciar a
taxa de câmbio, desestimulando as atividades exportadoras, para liberar recursos
produtivos para atender a esse boom temporário do consumo. Todas as indicações
são de que as condições fiscais e a política financeira do
setor público são excessivamente expansionistas. Isso
vai causar prejuízo para as
perspectivas de crescimento
de longo prazo do Brasil.
A economia brasileira ainda é
bastante fechada ao comércio exterior. Isso limita o crescimento de longo prazo?
Acho que o Brasil tem os
produtos com os quais poderia ter uma presença muito
maior no comércio internacional. Vocês são gigantes
em agricultura, em mineração. Têm uma presença marcante na produção de aeronaves. Há uma atividade industrial vasta que poderia
gerar uma presença muito
maior. Mas a administração
macro no Brasil tem sempre
conspirado contra o potencial de longo prazo.
E isso continua acontecendo?
Na minha opinião, está
piorando. Quando o Lula foi
eleito, em 2002, houve uma
crise econômica e ele foi muito cuidadoso ao dar confiança ao setor privado.
Agora, eles começaram a
pensar que sabem mais e estão menos dispostos a serem
cuidadosos. Estão se tornando mais ideológicos.
Do ponto de vista econômico, as políticas são insustentáveis como as adotadas
na diplomacia.
Agora que o Brasil é grande, pode ir para a cama com o
Ahmadinejad [Mahmoud
Ahmadinejad, presidente do
Irã] no Irã ou hospedar o Zelaya [Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras deposto
em junho de 2009] na sua
embaixada em Honduras etc.
É uma atitude de que agora o país é independente, um
poder diferente, e, portanto,
pode confrontar o senso comum. Esse tipo de arrogância na política externa tem sido desastrosa.
E esse tipo de arrogância
tem o perigo de ser igualmente desastrosa para a administração macroeconômica.
As pesquisas de intenção de
voto mostram grandes chances de vitória da candidata do
presidente Lula. O sr. acha
que isso levará a uma continuação dessas políticas que o
sr. critica?
Todo mundo sabe que o
presidente Lula tem sido superpopular e ele construiu
um capital político enorme.
Mas esse capital político
enorme não se traduziu em
nenhuma reforma significativa durante seu segundo
mandato [2007-2010].
Ele não tem nada a mostrar em termos de ter resolvido problemas antigos relacionados à baixa taxa de
poupança, ao sistema de previdência, à infraestrutura, a
ter uma estrutura tributária
mais normal e funcional.
Apesar do seu enorme capital político, ele não foi capaz de fazer nenhuma reforma significativa como as feitas pelo antecessor dele.
E, recentemente, ele tem
se movido na direção contrária. A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor [FHC]. Mas o
próximo presidente do Brasil
não terá a mesma sorte.
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