São Paulo, terça-feira 08 de abril de 2008

Próximo Texto | Índice

Editorial

Abaixem os preços!

por Alcino Leite Neto

O inverno não é uma especialidade da moda brasileira. Contudo, as coleções mostradas em janeiro em São Paulo foram particularmente bem-sucedidas. Os estilistas estavam inspirados, e um bom número deles conseguiu criar roupas que associavam criatividade com realismo, deixando de lado as imitações e tentando buscar as formas de um inverno tropical.

Quando confrontamos, porém, as passarelas brasileiras com as européias, a melancolia toma conta da imaginação. O inverno é uma temporada privilegiada para os europeus exibirem toda a exuberância, o luxo e a qualidade de sua moda -o que as imagens do encarte desta revista confirmam.

São o talento, a tradição e o trabalho que tornam a moda européia tão boa. Mas são também o dinheiro, o vigor das empresas e a amplitude do mercado. As suas roupas são feitas não apenas para os consumidores locais, mas para uma elite mundial, de Nova York à Pequim.

Os estilistas brasileiros, em geral, devem se conformar com o mercado interno. E este mercado é minúsculo para a moda sofisticada, ainda que seja gigantesco para as roupas populares. O número restrito de consumidores é o que leva certas grifes nacionais a cobrarem preços exorbitantes pelas principais peças da coleção, às vezes tão caras quanto um bom Dior ou Chanel.

As grifes chegam, aliás, a cobrar preços altos até mesmo por peças secundárias das coleções, baseadas em um cálculo preconceituoso de marketing, segundo o qual quanto mais caras as roupas mais selecionado será o público e, portanto, mais conceituada será a grife.

Enquanto criarem roupas apenas para o estrito mercado de luxo brasileiro, as grifes permanecerão simples ateliês de costura, mais ou menos desenvolvidos. Elas só deslancharão processos industriais quando conseguirem aliar sua criatividade às demandas da pouco abastada classe média e até mesmo das classes de baixa renda, que já representam 50% do consumo no país.

A professora francesa de moda Marie Rucki contou a este jornal que uma das coisas que mais a entusiasmou na sua primeira visita ao Brasil foi a chita, este tecido tão popular.

A história de Rucki pode ganhar tons de parábola. O maior potencial criativo e econômico da moda brasileira talvez não esteja na imitação do luxo, mas na produção de um design democrático, que combine criatividade com bons preços. O Brasil é, afinal, um país jovem, e a originalidade de sua cultura provém em boa parte do trânsito entre o gosto das classes populares e o das elites (como ocorre na música).

Abaixem os preços, democratizem a cultura da moda e parem, então, de reclamar que os brasileiros se vestem tão mal!

Próximo Texto: Agulhas: Um tricoteiro de mão cheia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.