São Paulo, quinta-feira 18 de dezembro de 2008

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Entrevista

O Brasil segundo Francisco Costa

O premiado estilista da Calvin Klein fala sobre o estilo brasileiro e diz que, caso criasse uma coleção no país, ela seria muito diferente de tudo que fez até hoje

por Alcino Leite Neto

Como seria uma coleção brasileira de Francisco Costa? "Seria muito diferente do que faço hoje... Penso que o estilo de vida seria mais importante que o design. Eu faria algo básico, leve, mas sempre inteligente", diz.

Ele também dispensaria as estampas, que não vê como sendo um traço obrigatório do estilo brasileiro. "Eu me lembro que, em Minas, ninguém vestia cor. Não me lembro de ninguém colorido", conta.

Francisco Costa, 44, é mineiro de Guarani, mas mora em Nova York desde o início dos anos 90. É diretor de criação da Calvin Klein e um dos principais nomes da moda mundial. Já recebeu duas vezes o prêmio de melhor estilista do Council of Designers of America, uma espécie de Oscar fashion.

Porém, ele nunca havia ganhado uma homenagem em seu próprio país. O jejum terminou em outubro, quando esteve em São Paulo para receber um troféu especial na primeira edição do novo Prêmio Moda Brasil.

Na ocasião, Costa conversou com a Folha a respeito da moda e do estilo brasileiros _e de como a cultura do país influencia seu trabalho. Para evitar dúvidas sobre sua integridade como criador, ele deixa bem claro na entrevista a seguir: "O trabalho que eu faço na moda é realmente de desenvolvimento de design, não sou um mercador".

Existe de fato um estilo brasileiro?

Na moda do país, não sei, conheço pouco. Mas, no dia-a-dia, percebo que sim. É um modo de ser leve, sensual, com muita bossa, um jeito doce e expansivo, ao mesmo tempo.

Quando você fala em sensual quer dizer sexy também?

Não, é o contrário desta fama não muito interessante que nos considera supersexies. A sensualidade brasileira seria mais uma ginga, uma energia muito forte.

O modo como a mulher americana se relaciona com o corpo é muito diferente do jeito da brasileira?

A imagem que tenho é que a brasileira é uma mulher segura. Por exemplo, você vai à praia de Ipanema e vê mulheres de corpos totalmente diferentes, algumas moldadas, outras não, mas todas parecendo muito à vontade consigo mesmas. Você não vê o predomínio de uma regra física. A regra que existe é a confiança e a segurança com o corpo que cada uma tem.

A sua moda tem mais a ver com este Rio que você descreveu ou com Minas Gerais, onde você nasceu?

Tem mais a ver com Minas, claro. O desenvolvimento das minhas coleções está muito relacionado à maneira como eu fui educado. Quando eu era criança, vivia com tesoura e papel na mão. Comecei a trabalhar cedo e, além, de ir à escola, tinha que acompanhar toda minha família no trabalho da fábrica. Minha família tem muita disciplina. Esta disciplina se reflete no meu trabalho até hoje.

Mas em termos de influência sobre as suas coleções, o Brasil chega ao seu trabalho, hoje?

Claro, é espontâneo. Eu busco inspiração em todos os lugares do mundo, e não apenas no Brasil. Mas você veja que minha última coleção tem uma certa contenção, uma sexualidade não revelada que, sim, tem algo a ver com minhas raízes mineiras. Penso também que é uma forma mais inteligente de vestir. Mas não sei se fica bem dizer "inteligente"...

Por quê? Existe preconceito com relação à inteligência na moda?

Acho que as pessoas às vezes vêem de uma forma diferente. E inteligente pode ser compreendido também de várias maneiras. O trabalho que eu faço na moda é realmente de desenvolvimento de design, não sou um mercador.

Você acha que a cultura popular e o estilo das ruas são importantes para a consolidação de uma moda brasileira?

Claro, mas ela não pode depender só disso. Lidar apenas com a rua, apenas com o streetwear, acaba comprometendo o seu trabalho. Um designer tem a obrigação de fazer algo desafiador e novo.

Se você fosse fazer uma coleção no Brasil, o que lhe inspiraria?

Eu amo o Rio de Janeiro. Deve ser coisa de mineiro, ele sempre me inspira. O Norte do país também me fascina, embora eu não conheça tanto. Também gosto muito da cultura brasileira dos anos 60. Mas, se eu fizesse uma coleção aqui, não pensaria em temas, não faria nada literal. Além disso, ela seria muito diferente do que faço hoje.

Como seria?

Seria até mais difícil, de uma certa maneira. Penso que o estilo de vida seria mais importante que o design. Eu faria algo básico, leve, mas sempre inteligente.

Você usaria estampas?

Ocasionalmente. Não acho imprescindível.

Você acha que estampas são parte característica do estilo brasileiro?

Não vejo nada disso. Eu me lembro que, em Minas, ninguém vestia cor. Não me lembro de ninguém colorido. Talvez seja algo mais do Norte e do Nordeste, ou do Rio.

Que tecidos você usaria na sua coleção brasileira?

Muito algodão, fibras naturais, linho...

Que trabalhos em outras áreas que a moda você acha interessante e inspirador no Brasil?

Acho a arquitetura do Isay Weinfeld uma imagem maravilhosa do Brasil atual. Seria um bom exemplo para a moda. Ele trabalha muito com matérias-primas do país, combina tradições arquitetônicas nacionais e internacionais e tem uma idéia de expansão no espaço que eu adoro.
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