São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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entrevista

A moda ética de Katharine Hamnett

A politizada estilista britânica aposta na roupa orgânica para ajudar na preservação ambiental

por EVA JOORY

A estilista britânica Katharine Hamnett ficou famosa graças à política. Em 1984, quando apareceu na capa de todos os jornais ingleses ao lado da então primeira-ministra Margaret Thatcher, usando uma de suas famosas camisetas de protesto _ "58% Don't Want Pershing" (58% não querem mísseis)_, firmou seu nome no mundo fashion.

Além da política, Hamnett trouxe frescor, inteligência e um estilo único para a moda, desde que criou a sua marca em 1979.

Graduada pela famosa escola Central Saint Martin College of Arts, de Londres, ela inovou em todos os sentidos: ao lançar campanhas publicitárias ousadas, ao apostar nos jovens fotógrafos Ellen von Unwerth e Terry Richardson, hoje estrelas da moda, e ao contratar modelos ainda em ascensão, como Kate Moss. Com seu estilo casual-chique, agitou a moda jovem nos anos 80 e 90 e transformou em sucesso as "slogan t-shirts", como "Clean up or die" (Desintoxique-se ou morra), "Choose life" (Escolha a vida), "No war, Blair out" (Não à guerra, fora Blair). Em pouco tempo, se tornou uma das estilistas mais copiadas do planeta.

Após um período de ostracismo, Hamnett, 59, está voltando à cena fashion a todo vapor, graças ao seu pioneirismo em realizar uma moda ecologicamente consciente, feita a partir de produtos orgânicos e recicláveis. Uma forte preocupação ambiental está se espalhando agora pelo meio da moda.

"A indústria da moda é imensa, emprega bilhões de pessoas e o seu impacto no planeta é gigante. Mude a indústria, e você pode ajudar nas mudanças climáticas e na criação de um mundo melhor para quem trabalha nele", disse Hamnett em entrevista à Folha, de Londres, depois de ter sido escolhida madrinha do Salão do Prêt-à-Porter de Paris deste ano.

O que significa ter uma marca que, desde 2003, busca ser 100% ecologicamente consciente num mercado tão selvagem como o da moda?

Tem sido muito difícil convencer a indústria a mudar, mas agora há um aumento do número de consumidores conscientes, como eu os chamo. Há todo um movimento que está obrigando a indústria a se tornar mais ética e a se preocupar mais com o ambiente. Tem sido mais fácil de uns tempos para cá, e estou muito feliz com os resultados.

Você foi bastante politizada. De que forma a política ainda influencia o seu trabalho?

A política e o comércio do mundo ocidental sempre causaram uma pobreza imensa e muito sofrimento para países em desenvolvimento. Sempre odiei esse tipo de comportamento e usei minha carreira de estilista para tentar mudar a situação.

Como você vê, em retrospecto, a sua carreira? Há alguma coisa que, hoje, faria diferentemente?

Não. Apenas resolvi mudar porque estava entediada com o que fazia. Cancelar todos os meus contratos em 2003 foi um suicídio comercial. Mas dei a volta por cima, e hoje me surpreendo ao ver que minha marca é líder desse novo movimento pela ética fashion. Fico feliz em ter descoberto um jeito novo de fazer moda e, com isso, ajudar o mundo.

Você está vendendo suas camisetas em uma rede de supermercados britânica. Acredita que a moda deva ser acessível a todos?

Sim. Vendo toda uma linha de roupas, não só camisetas: jeans, vestidos, saias, calças, camisas, chapéus... É tudo orgânico e feito segundo as leis de proteção ao ambiente. Essa linha é muito barata e acessível, e isso é bom por duas razões: muita gente vai poder comprar, o que vai aumentar a demanda pelo algodão orgânico e, assim, ajudar muitos fazendeiros que o produzem.

O que acha das marcas de luxo e de seus desdobramentos no mercado?

Atualmente o que funciona no mercado de moda está no topo ou lá embaixo. Quem ficou no meio se perdeu. Até as marcas de luxo estão começando a se conscientizar. Acho isso muito positivo, porque as grifes de luxo inspiram muita gente e são sempre muito copiadas, qualquer que seja sua direção.

O que mudou no mercado de moda, se comparado aos anos 80?

As barreiras comerciais entre a China e o Ocidente caíram. Pessoalmente, acho que a China nunca deveria ter ingressado na Organização Mundial do Comércio sem resolver seus problemas de direitos humanos, um dos grandes erros dos séculos 20 e 21. Agora o mercado está inundado com produtos chineses baratos e produzidos sem nenhuma preocupação com ética e meio ambiente. A China emite mais gases e CO2 que os EUA. Além disso, muitas companhias e confecções no Ocidente estão fechando ou falindo por causa dela. O trabalho manual, os produtos feitos à mão e os pequenos artesãos estão desaparecendo.

Como se pode trabalhar com moda e transformar o mundo em um lugar melhor?

A indústria da moda é imensa, emprega bilhões de pessoas, e o seu impacto no planeta é gigante. Mude a indústria, e você pode ajudar nas mudanças climáticas e na criação de um mundo melhor para quem trabalha nele.

Como define o seu estilo e a sua moda?

Gosto de roupas que façam as pessoas se sentirem bem. Roupas que possam ser usadas de manhã e à noite sem perder a elegância. É necessário qualidade, simplicidade e - o que é o mais difícil - humor. Se a roupa não for confortável, não será mais usada.

O que mais inspira você?

As pessoas, a felicidade, a beleza e os convites para festas!

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