São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2008

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Decoração

Parede bem vestida

O que colocar naquele espaço vazio acima do sofá? Esqueça o critério funcional que orientou a escolha do mobiliário. É hora de liberar a emoção. Antes, monte um plano de ação para encontrar a arte certa

por CECÍLIA REIS

O living da arquiteta paulista Tânia Eustáquio reúne esculturas, telas, gravuras e fotos preciosas. O que mais chama a atenção, porém, é uma folha de cheflera seca, pendurada acima de um trabalho do fotógrafo Rômulo Fialdini. "Ficou melhor do que um quadro", diz a dona da casa, autora de outras experiências visuais do mesmo calibre. "Certa vez, encontrei uma calota de Kombi amassada e coloquei na parede. Gostei. Se é arte não sei, mas valeu a brincadeira."

Gostar é o primeiro passo para decidir o que vai habitar a parede. "É melhor vazia do que mal-usada", diz Tânia. E avisa: ousadias (como a calota) pressupõem senso estético mais consolidado. "Importante é a obra tocar você", comenta Dario Zito, que virou colecionador de arte quase por acaso.

Para começo de conversa, o conselho é circular: "Não se iniba ao entrar em galerias", diz Tânia. Gostou de um artista? A lição de casa é navegar no site para conhecer suas propostas. Depois, peça ao galerista para "experimentar" a obra e ver se ela serve na parede de sua casa. Antes de comprar, conviva um pouco com ela.

Pode ser que você acabe como Dario, apaixonado por arte. Não, ele não foi criado dentro de um museu. Apenas gostava do assunto, mas não se arriscava -fazia parte da multidão para quem marchand é esnobe e arte, coisa de rico. Quando se mudou para um apartamento novo, o amigo e decorador Francisco Cálio veio com a idéia de transformar o espaço em galeria doméstica.

Em um ano e meio, o dentista de 42 anos comprou 76 obras. Uma visita à galeria paulistana Virgílio bastou para desfazer o mal-entendido -nem todo marchand é esnobe e arte nem sempre é cara. Isabel, a proprietária, baixou o acervo para o freguês como se baixa a coleção de roupas para uma mulher indecisa sobre o que vai usar em uma festa. "Em vez de comprar mais uma luminária, levei para casa a Caixa de Acrílico de Ana Holk, por R$ 500. Viajante de carteirinha, Dario já deixou de trocar de carro para investir em sua paixão. "Tem muita coisa boa entre R$ 500 e R$ 2 mil, e é ainda possível financiar. O importante é deixar claro para o galerista quanto se quer gastar."

Vacinado contra medo de galeria, Dario se aventurou por outros endereços. "Nem que seja para comprar um único quadro, faça um périplo por galerias", concorda Aleide Alves, do Escritório de Molduras e Arte, uma extensão de muitos ateliês. "Coloque o foco naquelas que têm tradição em descobrir novos talentos -Triângulo, Virgílio, Eduardo Fernandes, Choque Cultural. São pontos ideais para encontrar obras mais baratas, selecionadas por gente que tem bom olho. Também vale freqüentar exposições de final de curso das escolas de arte."

Apostar em jovens talentos é bom começo. Eliana Filkelstein, da Galeria Vermelho, é obstinada em promover novatos, que representam metade de seu time de artistas. "Montamos portfólio de todos eles. Assim, o cliente inexperiente pode entender a obra." Na Vermelho, um dos points da vanguarda paulistana, talvez o consumidor não encontre o que pendurar na parede, mas vai ter um insight do que está acontecendo na arte multimeios.

Você ainda não dá conta de encarar o tête-à-tête com um marchand? Então, o ambiente democrático das feiras de arte é o canal. "Os salões são um treinamento intensivo para os não-iniciados", festeja Eliana. A versão brasileira desse tipo de evento é mérito da advogada Fer-nanda Feitosa, diretora da SP Arte, que reuniu na quarta edição, em abril passado, um público de 12 mil visitantes, entre colecionadores, curiosos, iniciantes e iniciados. Inspirada nos salões de Basel (Miami), Arco (Espanha), Arte BA (Buenos Aires), a feira contempla arte moderna e contemporânea. "A idéia é atrair mais gente para esse mercado e estimular outras incursões pelo mundo das artes", comenta Fernanda.

Pintura, escultura, gravura, colagens, ilustrações, vídeo e performance para todos os gostos e bolsos -são milhares de obras selecionadas por 67 galeristas do Brasil e de sete casas internacionais. Ninguém fica imune ao clima da mostra anual, que acontece no prédio da Bienal, no parque Ibirapuera. Daí para se tornar freguês de museus, exposições e livrarias de arte é um pulo. "Muita gente nem compra, vem só olhar. Mas isso já desperta o desejo", comemora Fernanda.

Entre as ofertas da SP Arte, a fotografia cresceu muito. "Foto não era arte", diz a diretora do evento. "Hoje, já existem colecionadores especializados." Tanto que Fernanda organizou um evento à parte, o Circuito da Fotografia, cuja segunda edição está marcada para setembro próximo, no shopping Iguatemi, em São Paulo.

O fotógrafo paulista Álvaro Elkis aposta, há dez anos, nesse segmento. Recebe decoradores e clientes que levam seus trabalhos e os do irmão, Renato, para enfeitar as paredes. "Foto é o registro de um momento único que não volta mais", defende Álvaro, passeando entre as paredes lotadas do galpão onde fica a sua galeria. "As mostras de decoração, como Casa Cor e Arte-facto, deram visibilidade ao uso de fotos. E foto é mais fácil de entender do que outros tipos de arte."

Foto, gravura, escultura, óleo sobre tela. Quer um conselho? Não tenha pressa para preencher o vazio. Trans-forme a busca em uma aventura por um mundo novo. Pense na arte como representação de uma emoção que, lá da parede, fica conversando com você. Divirta-se no percurso e garanta um bom papo por muitos anos.

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