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Entrevista Tariq Ali

Intervenção dos EUA na Síria não tem razões humanitárias

Para escritor paquistanês, interesse americano é atingir o irã e o hizbullah

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Os aliados dos EUA no Oriente Médio estavam perdendo a guerra civil na Síria. Para que eles possam ganhá-la e derrubar o ditador Bashar al-Assad, Barack Obama está decidido a bombardear o país, ficando do mesmo lado da Al Qaeda. O objetivo da intervenção é mudar o balanço político na região, afetando o Irã. Não tem nada a ver com questões humanitárias.

A análise é do escritor e cineasta paquistanês Tariq Ali, 69. Autor de romances como "Mulher de Pedra" e "Um Sultão em Palermo" (Record), Ali falou à Folha por telefone, de Londres, na última quarta-feira. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O que vai acontecer na Síria?

Tariq Ali - Os EUA estão determinados a ir à guerra para tentar mudar o governo. Não tem nada a ver com considerações humanitárias. Os principais aliados deles na região --Israel, Arábia Saudita, Qatar e Turquia-- estão pedindo uma intervenção há 18 meses. Os EUA vão agir para que a guerra civil seja ganha pelos seus aliados, derrubando o regime.

Quais as razões para a guerra?

A guerra tem três objetivos: o Irã, destruir um regime que tem ajudado o Hizbullah [grupo xiita libanês aliado de Assad] e colocar no poder na Síria a Irmandade Muçulmana. Com isso, mudar o balanço de poder na região, afastando o poder do Irã.

Obama está, assim, ficando do mesmo lado da Al Qaeda?

Sim, claro. Os americanos lutaram com a Al Qaeda contra os russos no Afeganistão e usaram-na para derrotar [Slobodan] Milosevic na Bósnia. Agora a estão usando novamente para derrotar o governo secular na Síria.

Como se pode prever o futuro dessa intervenção?

Se Obama bombardear a Síria e remover Assad do poder, haverá guerra e instabilidade naquela região por mais dez anos. Quem se beneficiará disso? O povo é que não.

E quem se beneficiará?

As companhias europeias que investem em petróleo, o complexo industrial militar dos EUA, os comerciantes de armas, especialmente dos EUA e da Europa.

Essa também é uma guerra sobre petróleo?

Não é exclusivamente uma guerra sobre petróleo. É parte da campanha que os EUA fazem para remodelar o mundo de acordo com seus interesses. Essa foi a razão para a invasão do Iraque e é isso que ocorre agora na Síria. Depois, vão querer enfraquecer Teerã. Há 20 anos, os israelenses tentam, sem sucesso, destruir o Hizbullah. Acreditam que, sem a ajuda da Síria, poderão ter êxito.

De onde vem o poder da oposição síria?

A principal força é a Irmandade Muçulmana, que acabou de ser derrotada no Egito. Há a Al Qaeda e outros grupos inspirados nela.

O que dizer sobre a denúncia do uso de armas químicas?

Ainda não há evidências claras sobre quem usou. Há pessoas nos EUA --incluindo um general aposentado que atuou na administração Bush-- dizendo que suspeitam do Mossad [serviço secreto israelense]. Outros dizem que o ataque pode ter sido feito por um militar trapaceiro da Síria. Não podemos dizer quem fez o quê nesse caso.

Mas é ariscado para os EUA irem para a guerra, não?

Sim, é arriscado. Mas eles sabem que ninguém pode resistir a eles militarmente.

E a Primavera Árabe?

Está morta, não sobrou nada. É uma história desastrosa. No Egito, há uma ditadura militar. Na Síria, uma guerra civil. No Bahrein, há a ocupação saudita.

No Iêmen, os sauditas não permitem que ocorra uma solução de acordo com os desejos do povo. Na Tunísia, há um regime clerical. No Marrocos, um regime ditatorial, apoiado pela França e pelos EUA, semelhante ao da Argélia.

Na sua visão, Obama é pior governante do que Bush?

Sim, é óbvio. Há o caso das denúncias de espionagem, ações contra as liberdades civis, Guantánamo.

Ele tem o poder de ordenar a execução de qualquer cidadão americano no país ou no exterior ou qualquer um que desafie os EUA.

Sob Obama, o que temos nos EUA hoje é um regime totalitário suave. Esse termo não é meu; é da revista alemã "Spiegel", que assim descreveu a sua gestão.

Há uma crise em razão da espionagem americana da presidente Dilma Rousseff.

Os brasileiros não deveriam estar surpresos. Os EUA fazem isso há muito tempo. Agora têm a tecnologia para fazer de forma mais eficiente. Provavelmente fizeram também com Lula. A questão é o que o governo vai fazer agora.

O que o sr. acha que deveria ser feito?

O mínimo seria chamar o embaixador de Washington e pedir explicações ao governo americano. Ela deveria também cancelar a viagem aos EUA e explicar à população americana porque está fazendo isso. Teria impacto.


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