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Refugiados sírios vivem cotidiano de tédio e ansiedade na Jordânia

Folha visita campo que abriga mais de 122 mil pessoas que fugiram da Síria em razão da guerra

Moradores se dividem sobre perspectiva de ataque dos EUA; jovens querem voltar ao país e lutar pela insurgência

DIOGO BERCITO ENVIADO ESPECIAL À JORDÂNIA

Um vento insistente espalha a areia num redemoinho amarelo na fronteira norte entre a Jordânia e a Síria. Há pouco mais de um ano, não havia nada ali além do deserto. Hoje, essa paisagem árida é lar para os mais de 122 mil sírios que deixaram seu país em meio ao violento conflito.

A reportagem da Folha visitou, durante a semana passada, o campo de refugiados de Zaatari, que é, na prática, a quarta maior cidade da Jordânia --e o segundo maior local de refúgio do mundo.

Sob constante controle do Exército jordaniano, os refugiados vivem entre milhares de barracas empoeiradas e casas pré-fabricadas, simulando a vida do outro lado da fronteira. Roupas secam em varais improvisados, e crianças brincam na areia.

Mas a rotina é marcada também pelas filas de distribuição de ração, pelos banheiros compartilhados e pelo terror das histórias que trouxeram consigo da Síria.

"Fugimos por causa do medo", diz Khalil al-Bahsawi, 60. "Havia explosões por todo lado no meu vilarejo."

Rebeldes lutam, desde março de 2011, contra o regime da Síria. Segundo a ONU, mais de 100 mil pessoas já foram mortas, e 2 milhões tiveram de deixar o país.

Bahsawi reencontrou em Zaatari vizinhos e amigos da região sulista de Deraa, berço da insurgência síria. "Passo o dia visitando conhecidos, como se estivesse lá."

A passagem pela fronteira é feita, em geral, com ajuda dos rebeldes do Exército Livre da Síria. Recentemente, o regime do ditador Bashar al-Assad bombardeou a região, deixando milhares de refugiados presos no caminho.

Muhammad Nimir, 19, chegou a Zaatari há seis meses. Ele veio de Damasco com seis familiares e teve de esperar na fronteira, na casa de amigos, até ter ajuda para cruzar.

Como vários refugiados ouvidos pela reportagem, Nimir apoia a ação dos EUA na Síria prevista para os próximos dias. "Queremos que o ataque encerre nossa miséria."

Abu Muhammad, 42, discorda. "Os EUA são covardes. Sempre falam de direitos humanos, mas não se importam que sejamos mortos. Não contamos com eles, só com Deus."

Em uma barraca no ponto mais alto do campo, apelidado "monte Everest", Abu Rafat, 47, conta com o presidente Barack Obama para livrar a Síria de seu ditador. "Depois do ataque, os sírios vão poder voltar e depor Assad."

Rafat refugiou-se em Zaatari após seu vilarejo, Sanamayn, ser massacrado em abril. Dois filhos seus, 21 e 23 anos, lutam entre os rebeldes.

Ele agradece pela recepção da Jordânia --onde os refugiados sírios hoje são quase 10% da população, com pesado impacto econômico.

"Os jordanianos também são pobres", diz Rafat. Ele reluta em reclamar das condições de vida. "Zaatari é um campo de refugiados. Está no nome. Não é um hotel."

VENDA DE COMIDA

A rua do hospital francês é apelidada Champs-Élysées, em referência ao cartão-postal de Paris. No chão de terra, Ahmad al-Halil, 27, inspeciona a caixa de mantimentos a que sua família tem direito, recebida a cada 15 dias.

Ele veio há seis meses, temendo os rumores de uso de armas químicas na Síria. Hoje, sobrevive vendendo a comida que recebe da ONU.

"Comerciantes jordanianos vêm aqui e compram", afirma Halil. A reportagem viu, nos arredores do campo, as caixas de comida sendo vendidas na beira da estrada.

Os refugiados são mantidos com dinheiro jordaniano e doações internacionais. Há, em Zaatari, hospitais e clínicas médicas --em uma delas, o diretor disse receber ao redor de 600 casos por dia.

Há oito escolas, separando meninos e meninas. A escola financiada pela Arábia Saudita tem só 350 alunos, apesar de mais de metade dos refugiados ter menos de 17 anos.

"Eles têm de trabalhar para sustentar a família", diz o diretor Salim al-Ayan, 61. "São agressivos, brigam entre si. Querem retornar."

As opções de ocupação são escassas. Surgiram, com o passar dos meses, empreendimentos comerciais que incluem lojas de vestidos de noiva e barbeiros. Mas o clima é de tédio e ansiedade.

"Não faço nada", diz Jafar, 16. "Passo o dia jogando cartas e andando." Como seus amigos, ele quer voltar à Síria e lutar pela insurgência.


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