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Matias Spektor

Com satisfação

Com experiência ímpar em negociação nuclear, Brasil deveria ver acordo sobre o Irã como uma oportunidade

O acordo deste domingo foi o ato político mais relevante dos últimos tempos: a negociação entre o Irã e o grupo P5+1 criou possibilidades antes inimagináveis.

No Brasil, recuperou-se a memória da Declaração de Teerã de três anos atrás.

À época, a diplomacia turco-brasileira defendeu princípios que o atual acordo consagra: o reconhecimento do direito inalienável do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos e a importância da interlocução direta com o regime em Teerã.

Em vez de celebrar, porém, a conversa pública brasileira abraçou certa amargura.

Circula na imprensa a noção segundo a qual o acordo de domingo seria muito similar à Declaração de Teerã (ou pior que ela). O mundo teria perdido três anos por culpa de grandes potências, que, enciumadas, teriam puxado o tapete do Brasil e da Turquia.

Tal leitura é equivocada.

Primeiro: o acordo deste domingo está baseado no entendimento de que somente sanções asfixiantes levam o Irã a fazer concessões significativas. Brasil e Turquia defendiam o oposto.

Segundo: os termos deste acordo de agora são muito mais profundos e abrangentes do que se buscou fazer em 2010.

Terceiro: Estados Unidos e Europa puxaram mesmo o tapete de Brasil e Turquia. Só que não o fizeram por ciúme, arrogância ou medo, mas devido à política interna norte-americana e à dinâmica da negociação entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

Ao ignorar as causas verdadeiras de nosso revés em Teerã --e ao fazer pouco do acordo recém-assinado--, atentamos contra os nossos próprios interesses.

Afinal, o novo governo iraniano precisa de toda a interlocução possível até maio do ano que vem, quando voltará à mesa de negociação. Forças poderosas apostarão em seu fracasso, e poucos países têm tantas condições de oferecer-lhe diálogo como o Brasil.

Em Genebra, na semana passada, os negociadores iranianos lembraram a iniciativa turco-brasileira mais de uma vez. E o presidente Rowhani repete: para ele, o Brasil é exemplo bem-sucedido de um país que, sob sanções no passado, livrou-se delas, preservando seu programa nuclear para fins civis.

Há algo mais. Nos próximos meses, ganhará fôlego o debate sobre a transformação do Oriente Médio em zona livre de armas nucleares.

As chances de Israel aceitar algo assim são ínfimas, claro, mas nada é impossível.

A experiência do Brasil é ímpar, pois se passaram mais de 30 anos de negociação entre a primeira proposta de uma zona dessa natureza em nosso entorno regional e a sua implementação efetiva. Temos algo a dizer.

Por isso, talvez devêssemos receber o resultado de domingo como uma oportunidade. Ao saber da notícia, o presidente turco foi veloz: "Este é um grande passo adiante... Parabenizo os negociadores por seu engajamento construtivo".

Aqui, ao contrário, o Planalto não se pronunciou. E a nota oficial resume-se a indicar que o governo brasileiro "tomou conhecimento, com satisfação".


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