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Crise é oportunidade para a Europa se modernizar

PREMIÊ FRANCÊS, QUE CHEGA AMANHÃ AO BRASIL, AFIRMA QUE PROBLEMAS ECONÔMICOS NÃO SIGNIFICAM DECLÍNIO DO CONTINENTE

SAMY ADGHIRNI
DE TEERÃ

Por trás do cenário econômico sombrio que envolve a Europa, a França vê uma oportunidade de renovação.

Mas, para chegar lá, a segunda maior potência econômica da zona do euro espera o apoio do Brasil no resgate das finanças europeias.

O recado será transmitido ao governo brasileiro pelo primeiro-ministro francês, François Fillon, que inicia amanhã visita ao Brasil, onde estará com o governador Geraldo Alckmin (SP) e a presidente Dilma Rousseff.

Em entrevista exclusiva à Folha, por email, Fillon cobrou dos emergentes que se posicionem contra países que violam direitos humanos.

Folha - A Europa está prestes a sofrer uma "década perdida", como afirma a chanceler alemã, Angela Merkel?

François Fillon - A Europa conserva vantagens reais na competição mundial: a dinâmica de um mercado de 500 milhões de consumidores, infraestrutura de alta qualidade, empresas de alta performance, polos de excelência científica, universitária e tecnológica, um alto nível de formação.

Nossos esforços como um todo visam recriar a confiança na Europa e preparar um retorno ao crescimento. Estou convencido de que nossas decisões mais recentes vão contribuir para isso.

O que o sr. responde àqueles que enxergam na crise atual o reflexo de uma Europa em declínio?

É normal que a globalização conduza a um movimento de recuperação dos países emergentes. Mas a Europa tem todas as cartas em mãos para controlar seu destino e lucrar com essa globalização. E não são favas contadas que a crise provoque seu declínio.

Pelo contrário: esta crise lhe oferece a oportunidade de abrir os olhos sobre o mundo à sua volta e sobre a verdadeira revolução que começou. Ela oferece a possibilidade de se questionar, de transformar a sociedade, de acentuar a produtividade de sua economia e de modernizar sua governança.

Vale lembrar que a Europa ainda é o maior mercado do mundo e a maior potência comercial do mundo; sua participação nas trocas comerciais (mais de 16%) se mantém nesse nível, apesar da crise e da intensidade da concorrência internacional.

Portanto, não cedamos à tentação -muito europeia, por sinal- de se comprazer com a ideia de que a Europa é um continente cujo fôlego está se esgotando.

Países emergentes, como o Brasil, podem ajudar?

A crise da Europa é, na realidade, uma crise de endividamento público excessivo de certos países europeus. A Europa, sob o incentivo do presidente Nicolas Sarkozy e da chanceler Angela Merkel, tomou medidas fortes, com os planos de resgate, medidas de disciplina orçamentária e a criação de barreiras "corta-fogo" para evitar o contágio.

O Brasil deve conservar sua confiança na zona do euro. Os resultados do Conselho Europeu de 9 de dezembro demonstram nossa forte determinação de refundar a zona do euro sob uma governança ao mesmo tempo mais rigorosa e mais solidária.

É sobre essa base que esperamos do Brasil que ele tome parte de toda iniciativa internacional que vise reforçar os mecanismos de gestão da crise em parceria com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Uma possibilidade poderia ser um aumento dos recursos do FMI por empréstimos bilaterais.

Diante da baixa popularidade de Sarkozy e da dianteira da oposição nas pesquisas para o pleito de 2012, o governo se arrepende de ter tomado decisões impopulares?

Não, a aproximação das eleições presidenciais não está provocando o questionamento da estratégia reformadora do presidente da República e do governo.

Por duas razões. A primeira é que a crise da dívida europeia nos obriga a respeitar nossos objetivos de redução dos deficits, sob pena de ver a credibilidade financeira da França, que permanece forte, se enfraquecer.

A segunda é que, diante da crise, a coragem, a coerência e a experiência de Nicolas Sarkozy serão um diferencial diante de seus oponentes, que não entenderam a dimensão dos desafios atuais.

Por que a França se envolveu tão rapidamente ao lado dos rebeldes na Líbia, após hesitar na Tunísia e no Egito?

Na Líbia, [o ex-ditador Muammar] Gaddafi tinha prometido à sua população um banho de sangue. O presidente Sarkozy indicou claramente as condições que permitiam uma intervenção: um pedido do povo líbio e da Liga Árabe e uma autorização da ONU. Foi exatamente o que ocorreu. No Egito e na Tunísia, a situação era diferente porque os dirigentes optaram por partir, enquanto Gaddafi resistiu até o fim.

A França está preocupada com o avanço islâmico no rastro da Primavera Árabe?

Queremos confiar nesses novos regimes, desde que seus dirigentes rejeitem o extremismo sob todas suas formas e se comprometam a respeitar as liberdades fundamentais. Estaremos atentos a esses pontos, mas não queremos julgar países que passaram por tantos anos de ditadura e agora tentam o caminho da democracia.

O ministro da Defesa da França criticou recentemente os países emergentes, em particular o Brasil, dizendo que "está na hora de eles se tornarem emergentes também em matéria de direitos humanos". O senhor concorda?

É preciso desconfiar de declarações tiradas de contexto. A palavra "criticou" não me parece apropriada. Trata-se mais de um apelo aos grandes países emergentes que reivindicam com razão um papel mais importante na governança mundial.

O Brasil deve ter seu lugar justo no sistema internacional, e a França milita nesse sentido há muito tempo. Isso significa mais responsabilidades, e, especialmente, uma obrigação de resultados para resolver crises internacionais e salvar vidas.

Não se trata, evidentemente, do respeito aos direitos humanos no Brasil, mas da condenação internacional de países que violam ou violaram esses direitos. Notamos muito positivamente o voto recente do Brasil em favor de uma resolução da Assembleia Geral da ONU condenando as atrocidades do regime sírio.

As divergências entre a França e o Brasil em relação a Líbia, Irã e Síria ameaçam o apoio de Paris à candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança?

A posição da França não mudou. Somos e continuamos mais que nunca partidários fervorosos da atribuição ao Brasil de uma vaga permanente no Conselho de Segurança. Porque é uma evidência e é o sentido da história. O presidente Sarkozy com frequência lembra publicamente nosso apoio à candidatura do Brasil. E é o que tenho a intenção de reafirmar sem a menor ambiguidade em minha visita ao Brasil.

No caso da renovação dos caças usados pelo Brasil, como a França responderá ao anúncio dos EUA prometendo que também farão uma transferência de tecnologia sensível?

Nossa parceria estratégica com o Brasil comporta uma parte militar densa. Esta abrange contratos de armamento, sem dúvida, mas também uma cooperação mais e mais estreita com transferências de tecnologia.

Estamos trabalhando em particular em dois programas ambiciosos de construção de submarinos e helicópteros que ultrapassam o simples fornecimento de armamentos e permitirão ao Brasil atravessar um patamar industrial e tecnológico.

Nosso melhor argumento é a qualidade das transferências que estamos realizando. Somos fiéis aos nossos compromissos. No mesmo espírito, propusemos o avião Rafale, um projeto militar e industrial. Estamos confiantes, porque nossa oferta é a melhor possível.

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