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Clóvis Rossi

A selvageria como regra

O Brasil e a América Latina caminham para a completa perda das regras de convivência civilizada

Dias atrás, meu genro, distraído, esqueceu aberto o portão da garagem. O vizinho da frente me ligou para avisar (moro pertinho e, portanto, podia tomar as providências necessárias para não deixar a casa desguarnecida).

O que há nesse episódio banal e nessa atitude normal que se tornam dignos de menção? Simples: o Brasil está perdendo crescentemente a capacidade de, sem coerção, conviver civilizadamente com a vida e a propriedade alheias.

O caso da Bahia, durante e depois da greve dos policiais militares, é apenas o mais recente exemplo da selvageria que se foi instalando pouco a pouco no país. Durante a greve, decuplicou o número de homicídios, passando de já insuportáveis cinco diários para 52.

Qual a leitura a fazer? As pessoas deixam de matar não porque é errado fazê-lo do ponto de vista da moral e da lei, mas porque há o risco de serem apanhados pela polícia, se e quando ela está em plena atividade. Some a polícia da rua e a criminalidade dispara imediatamente, o que não é exclusividade da Bahia, como já se viu em anteriores episódios de paralisação policial.

Aliás, até quando a polícia está nas ruas, o desrespeito a regras primárias de convivência é absurdo, abusivo.

Virou moda, por exemplo, queimar ônibus por qualquer pretexto e até na falta deles. Pouco importa que os prejudicados não sejam policiais ou autoridades, mas os usuários do transporte coletivo, inexoravelmente privados de veículos que já circulam precariamente quando não há a queima.

O vizinho de minha filha não precisou da presença da polícia no quarteirão para agir civilizadamente. Mas, se a moda do desrespeito continuar se espraiando, chegará o dia em que alguém como ele, vendo o portão aberto e sem polícia perto, invadirá a casa e levará o que puder.

Em grau muito mais grave, foi o que se fez na Bahia durante a greve. O portão estava aberto, não havia polícia, então saiamos para matar, deve ter pensado um pedaço marginal da população.

O diabo é que esse pedaço, no país todo, na América Latina toda, está aumentando. Países latino-americanos ocupam os primeiros cinco lugares no ranking mundial de homicídios, segundo a ONU. Pela ordem: Honduras, Venezuela, Belize, El Salvador e Guatemala.

A Argentina, com um dos mais baixos índices de homicídios, conhece uma onda de linchamentos, que não passa da perda do freio moral e da convivência civilizada.

No Rio de Janeiro, números do Ins­ti­tu­to de Se­gu­rança Pú­bli­ca citados ontem por "El País" são inacreditáveis: nos últimos oito anos, foram 43.165 mortes violentas, o que dá 500 ao mês, justamente no período em que se disseminaram as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Sem contar os mais de 38 mil des­apa­re­ci­dos nem as mais de 31 mil ten­ta­ti­vas de ho­mi­cídio.

Se esses números se dão em uma época supostamente pacificadora, tremo de medo de imaginar como seriam em outros momentos. O país e o subcontinente vivem a era da selvageria, e as autoridades parecem impotentes. Ou incompetentes?


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