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Minha História Abbas Abdi, 58

Sequestro revisitado

Um dos iranianos que fizeram americanos reféns na embaixada em Teerã, em 1979, diz que ação era justificada, mas hoje defende diálogo com EUA

SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ

Os funcionários da embaixada sentiam que algo iria acontecer [depois da revolução]. O encarregado de negócios americano mandou carta a Washington dizendo: "Já que vocês deram asilo ao xá, por que ainda estamos aqui? Levem-nos embora."

A invasão da embaixada foi ao mesmo tempo coordenada e espontânea.

É claro que os americanos eram reféns sem liberdade. Mas, fora isso, buscou-se tratá-los da melhor forma possível. Eles tinham direito até a manter seu cozinheiro particular, paquistanês.

Alguns estudantes conversavam com reféns, mas eu, não. Sabia que era inútil explicar nossas razões. Eles eram agentes de um governo, e jamais concordariam com nada que não fosse a posição oficial dos EUA.

Nunca se cogitou matá-los, pois ninguém tinha nada pessoal contra eles. Até hoje muita gente tenta jogar reféns e estudantes uns contra os outros, mas ambos os lados eram apenas soldados de uma guerra. E guerras não opõem soldados, que podem até jogar futebol juntos se puderem. Elas opõem países.

Todos esses reféns estão em casa, aposentaram-se e recebem pensão. Mesmo assim, todo mundo está sempre falando desse tema.

Se os americanos tivessem sido mortos, ninguém mais se lembraria do caso.

As pessoas se esquecem de que, um mês após a ocupação em Teerã, houve um ataque contra a Embaixada dos EUA no Paquistão que matou vários americanos. Ninguém fala disso.

Tampouco as pessoas se lembram de que um ataque no Líbano matou 250 soldados americanos [1983].

Sabe por que os americanos continuam incomodados com a ocupação da embaixada no Irã? Porque sabem que foi um ato legítimo e justo. Por isso, martelam sua própria verdade sobre os fatos.

A opinião pública mundial entendeu naquele momento que ninguém pode interferir nos temas de outro país e ficar impune. Era a bandeira que queríamos levantar.

A causa é tão justa que as pessoas no Irã ficaram do meu lado nas duas vezes em que fui ilegalmente para a cadeia [na última, ficou preso de 2002 a 2005 por divulgar pesquisa indicando que 74% dos iranianos eram favoráveis à reaproximação com os Estados Unidos].

Olhe quanta coisa os americanos fizeram desde 1953 [golpe contra o premiê democraticamente eleito Mohammad Mossadegh; apoio à ditadura do xá]!

Iranianos e americanos podem voltar a se relacionar, mas isso requer respeito mútuo. Os EUA se recusam a admitir que foram seus próprios atos que geraram problemas. Enquanto não admitirem, problemas continuarão.

A pessoa ideal para conduzir a reaproximação era Hamid Abutalebi [veterano diplomata reformista]. Fiquei feliz ao saber que o Irã queria mandá-lo para a ONU.

Os EUA o vetaram sob o pretexto de ser terrorista. [O ex-refém] Barry Rosen almoçou e debateu comigo numa boa em Paris, em 1998. Por que, agora, alguém que quer ir aos EUA é tachado de terrorista? Abutalebi era um dos mais liberais [entre os estudantes que tomaram a embaixada], e seu papel na operação era secundário.

É mentira que a opinião pública americana não iria aceitar que Abutalebi morasse nos EUA. O governo consegue convencer os americanos de milhares de outras coisas! Os americanos nem sabem situar o Irã no mapa.

Não acredite nos americanos. Eles traçaram uma avenida da ética na qual todo mundo deve andar --menos eles, que ficam de fora, só observando.

Mas foi um erro da parte do Irã ter apresentado Abutalebi sem consultar os EUA. Era preciso ter conversado antes para chegar a um acordo. Sem acordo, o Irã deveria ter escolhido outro embaixador nas Nações Unidas.

NEGOCIAÇÃO NUCLEAR

Estou confiante de que as conversas resultarão em acordo, pois todas as partes precisam se entender. [O presidente Barack] Obama precisa de um entendimento, pois será sua única conquista.

O Irã adotou uma posição clara desde que Hasan Rowhani se tornou presidente [agosto de 2013]. As razões por trás dessa guinada são complexas. O fato é que o Irã é dependente em petróleo.

Petróleo é como uma combinação de heroína, LSD e vinho. Heroína elimina dor, LSD dá euforia e vinho alegra. Mas basta que um dos três acabe para que o corpo comece a sofrer.

Há dois anos que o lucro com o petróleo despencou [por causa das sanções], e as dores começaram. Isso obrigou o governo a parar de fazer o que bem entende.

A situação gerada pela queda do lucro petroleiro se refletiu no resultado da eleição presidencial. E esse resultado afeta a política externa.

O que vemos hoje não é uma mudança abrupta, mas fruto de um longo processo, como um parto. Mas, mesmo que haja acordo nuclear, não acho que isso vá se traduzir necessariamente em melhora dos laços Irã-EUA.


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