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Divisão iraquiana alimenta avanço de grupo rebelde

Minoria sunita diz que é marginalizada pelo governo xiita; grupo fundamentalista EIIL explora insatisfação

Para os iraquianos, o avanço da milícia não poderia ter sido tão ágil sem um mínimo de cumplicidade dos locais

SAMY ADGHIRNI ENVIADO ESPECIAL A BAGDÁ

Mohammad Ismael era brigadeiro da Aeronáutica iraquiana quando os EUA derrubaram o regime de Saddam Hussein, em 2003.

Muçulmano sunita, a exemplo do ditador deposto, Ismael foi imediatamente cortado das Forças Armadas e banido da reserva, em um prenúncio da expurgação sectária que os novos dirigentes, xiitas, acabariam por consolidar.

"Este governo é só para xiitas", diz Ismael, 58, ao fim da oração, em uma das poucas mesquitas sunitas de Bagdá.

Onze anos após a queda de Saddam, o sentimento de marginalização dos sunitas chegou a tal ponto que muitos escusam e, em alguns casos, compactuam com a recente tomada de várias cidades iraquianas pelos jihadistas sunitas do grupo Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIIL).

O avanço do EIIL, facção dissidente da Al Qaeda adepta de práticas bárbaras e indiscriminadas, começou no início deste ano, com a captura de cidades na Província de Anbar, a oeste de Bagdá.

O EIIL fincou bases na região em meio ao caos gerado por uma revolta local contra a suposta hostilidade do governo central do premiê Nuri al-Maliki, xiita.

Há duas semanas, os jihadistas lançaram ofensiva fulminante que lhes deu controle sobre Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, e Tikrit, a terra natal de Saddam, entre outras aglomerações.

O EIIL divulgou na internet vídeos mostrando seus combatentes, a bordo de reluzentes picapes, sendo calorosamente recebidos pela população ao entrarem nas cidades conquistadas.

Embalado pelo próprio sucesso, o grupo ameaça atacar santuários xiitas, tidos como hereges, e avançar sobre a capital, Bagdá.

A Folha não ouviu nenhum sunita defendendo abertamente um ataque do EIIL à capital. Mas há rumores de células dormentes prontas para pegar em armas, em apoio aos jihadistas.

Embora seja difícil distinguir o apoio sincero da estratégia de sobrevivência diante de um inimigo sanguinário, é consenso entre iraquianos que o avanço dos jihadistas até agora não teria sido tão rápido sem um mínimo de cumplicidade dos locais.

"Maliki trata sunitas tão mal que, quando o EIIL entrou nas cidades, as pessoas disseram: Que bom que vieram, precisamos de vocês'", diz o ex-brigadeiro Ismael.

Segundo ele, o Judiciário e as forças de segurança no Iraque são subjugados às políticas supostamente sectárias de Maliki, que assumiu o poder em 2006 e desde então afastou todos os aliados sunitas, inclusive um vice-presidente.

"Todos os sunitas vivem com medo da própria polícia nacional. Podemos ser levados à delegacia por um simples sobrenome e, a partir daí, ninguém tira a gente de lá", afirma.

O empresário Abdul Jabbar Naji, 64, se diz farto de tanta batida policial em sua lojinha de conveniência em Adamiya, enclave sunita em Bagdá. Ele critica Maliki por ter pedido, em um apelo claramente destinado aos xiitas, que a população se alistasse para reforçar a luta armada contra o EIIL. "Isso só aumenta o ódio sectário", diz.

O deputado Hamid al-Mutlaq, recém-reeleito pela Província de Anbar, acusa o atual governo de ser controlado pelo arquirrival Irã e de pautar até políticas econômicas e sociais em função de linhas sectárias.

"É preciso dar emprego e oportunidades a todos, não só a pessoas ligadas à órbita do governo", afirma Mutlaq, um dos cerca de 70 sunitas no Parlamento unicameral, que tem 325 cadeiras.

Não há estatísticas disponíveis, mas a Folha constatou que muitos sunitas, base da antiga elite do país, dizem ter empobrecido desde a queda de Saddam, enquanto que os xiitas tendem a apontar melhora em suas condições de vida.

O governo nega conduzir políticas sectárias e propala, por meio de clérigos simpatizantes, a ideia de que o país deve se unir "para combater o terrorismo."

PAGANDO O PREÇO

Prevalece entre xiitas a ideia de que sunitas estão pagando o preço por ter sido privilegiados sob Saddam, quando a maior parte do país vivia num clima de terror e pobreza.

"Os sunitas governaram durante 30 anos e, agora, acham ruim não estarem mais por cima", diverte-se o professor de inglês Kazem Abdul Hasan, 35.

Mas alguns xiitas, principalmente rivais do premiê, admitem que as políticas oficiais pavimentaram o caminho para a crise.

"O ambiente de pobreza e de discriminação em Mossul era tamanho que isso acabou ajudando consideravelmente o EIIL", afirma o xeque Salah Alobeidy, porta-voz do clérigo e guerrilheiro Muqtada al-Sadr.

"Será muito difícil repelir militarmente os avanços do EIIL e, ao mesmo tempo, encarar as raízes políticas do problema."


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