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Clóvis Rossi

De governos e de benditos loucos

O surto de ebola não é só um problema sanitário; acaba sendo também uma questão de governança

Quando Patrícia Campos Mello me contou que estava se preparando para viajar para Serra Leoa, para cobrir o surto de ebola, comentei de bate-pronto: "Você é louca".

Bendita loucura. Permitiu-lhe fazer um notável relato de um inferno no fim do mundo e, ainda por cima, produzir um texto que deveria ser adotado pelas escolas de jornalismo como modelo de rara combinação entre profissionalismo, sensibilidade e idealismo (folha.com/no1503672).

Menos mal que Patrícia não é a única louca ainda solta pelo mundo. O pessoal da ONG Médicos Sem Fronteiras e missionários como o médico norte-americano que acaba de ser declarado curado do ebola são outros admiráveis exemplos.

Pena que não sejam suficientes. Como disse a "El País" Joanne Liu, a pediatra canadense que preside a MSF, "a epidemia [de ebola] está se desenvolvendo mais depressa do que nossa capacidade de resposta".

Liu aponta, ainda, os efeitos colaterais: a epidemia levou ao colapso o sistema de saúde da Libéria e de Serra Leoa, dois dos países mais atingidos, o que faz com que "os pacientes não se tratem de problemas muito simples, como a malária".

Conta a presidente da MSF que o fechamento dos centros sanitários, para cuidar exclusivamente dos infectados pelo ebola, provocou, na semana passada, a morte de dois recém-nascidos, porque suas mães estiveram dando voltas pela cidade, sem conseguir atenção.

Essa situação acaba sendo a comprovação prática de que a crise do ebola não é apenas de saúde pública mas também de governança, como acreditam Blair Glencorse e Brooks Marmon, de outra ONG, "Accountability Lab", dedicada a fortalecer a sociedade civil para que exija prestação de contas de seus governantes ("prestação de contas" é a menos imperfeita tradução de "accountability", que não tem correspondente exato em português).

Escrevem eles: "Não é coincidência que, em países no coração do surto, grandes grupos de pessoas têm sido sistematicamente excluídas do poder e do processo decisório em todos os níveis durante décadas. Significa que muitos cidadãos tendem a não acreditar que o governo pode servir a seus interesses".

Dão o exemplo da Libéria, em que há apenas 150 médicos treinados para atender uma população de 3,5 milhões, com o que "o acesso aos serviços [médicos] é inevitavelmente excludente".

Talvez essas carências de governança, para serem sacudidas, necessitem um cenário de horror ainda mais disseminado, como o traçado por Laurie Garrett, pesquisadora-sênior de saúde global do Council on Foreign Relations:

"Meu brilhante colega do Council, John Campbell, ex-embaixador norte-americano na Nigéria, avisou que a disseminação do vírus em Lagos [principal cidade nigeriana], com população de 22 milhões, transformaria a situação em uma crise global, em consequência do caos, tamanho, densidade populacional e mobilidade não só dessa cidade mas de dezenas de outras na imensa nação, rica em petróleo".

Aí, sim, não apenas os benditos loucos se atreveriam a interferir.


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