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Rubens Ricupero

Brasil e EUA, planetas à parte

Ao contemplar os desafios globais americanos, nos damos conta da distância entre nossas agendas

Ao contemplar como os EUA se esfalfam para enfrentar os simultâneos desafios do islamismo enlouquecido, da Rússia na Ucrânia, da China na Ásia e globalmente, nos damos conta da distância que hoje separa a agenda americana da brasileira e latino-americana.

Nem sempre foi assim. Na época da Boa Vizinhança e da Segunda Guerra, Roosevelt convenceu quase toda a América Latina, inclusive o Estado Novo filofascista, que nosso inimigo comum era o nazifascismo do Eixo.

Após a vitória, inaugurou-se diálogo de surdos jamais resolvido. De um lado, os latinos reclamavam ajuda econômica americana do tipo do Plano Marshall. Washington respondia que bastava pormos a casa em ordem, e os capitais privados fariam nossa felicidade. No Brasil, a decepção foi mais amarga. Tínhamos enviado tropas, cedido bases e nos julgávamos credores de recompensa especial.

Mesmo então, continuamos solidários. Os dirigentes brasileiros temiam mais os comunistas nacionais que a União Soviética. Mas não se distinguia bem o Partidão de sua central em Moscou. No fundo, era tudo a mesma coisa, e os inimigos dos EUA na Guerra Fria eram também nossos inimigos. Juscelino chegou a dizer que "povos de condições de vida tão díspares" não poderiam adotar os mesmos valores e ter igual reação diante de "certas doutrinas". Os militares, porém, não pensavam assim, como se viu em 1964.

A Política Externa Independente de Jânio e Goulart anunciava a erosão da comunidade de valores e interesses com os americanos. Durou pouco, e seu espírito só triunfaria com Geisel e o chanceler Azeredo da Silveira no início dos anos 1980. No final da década, a extinção da ameaça comunista tornava o alinhamento supérfluo e a independência diplomática uma realidade não muito original.

Desde o fim da Guerra Fria, deixou de existir o inimigo comum que antes constituía o fio estruturador entre os EUA e o Brasil. O "benign neglect", a atitude de benevolente negligência que caracterizara a diplomacia de Nixon para a América Latina, passou a ser a constante de todos os governos de Washington. Republicanos ou democratas, a agenda latino-americana se resumiu a narcotráfico, imigrantes e acordos de livre comércio.

Só que agora a negligência é recíproca. Em termos de valores de democracia e direitos humanos, seguimos mais perto dos EUA e da Europa que de alguns Brics, em especial China e Rússia. No entanto, os interesses estratégicos prioritários ocidentais não são os nossos. Não temos problema de fundamentalismo islâmico; para nós, a China é mais solução que problema. Sobre a ação russa na Ucrânia, podemos condenar os métodos de Putin, mas não há razão para assumir as consequências da temeridade ocidental, que, no dizer do finado Jânio, "chuçou onça com vara curta".

Reconstruir uma visão partilhada do mundo e suas prioridades entre nós e a Europa passa pela mudança climática. Até que ponto os divididos dirigentes americanos estarão dispostos a admitir que a destruição do clima é a maior das ameaças globais, a única capaz de unir a todos em uma luta comum?


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