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Fenômeno republicano é tenaz e chorão

Rick Santorum, o pré-candidato ultraconservador à Presidência dos EUA, alia fervor católico e discurso linha-dura

Após atuar com político em causa humanitária, Bono o definiu como alguém que 'sempre diz a coisa mais impopular'

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Quando Gabriel nasceu, em 1996, sua mãe, Karen, estava na 20ª semana de gestação e havia contraído uma infecção grave. O tratamento antecipou o parto. O menino sobreviveu por duas horas.

Católicos devotos, o então senador da Pensilvânia Rick Santorum e Karen, enfermeira neonatal, passaram a noite com o corpo do filho no hospital. De manhã, levaram-no para casa e o mostraram aos três irmãos, que rezaram e cantaram pelo bebê.

"Era o que podíamos fazer", diz Santorum quando reconta o episódio em seu sotaque áspero da região operária de Pittsburgh. "Poder segurá-lo, celebrá-lo, deu uma sensação de fechar o livro às crianças e a ideia de que elas de fato tiveram um irmão. Deu-lhes memória."

O episódio, que está no livro de Santorum ("It Takes a Family", "é preciso uma família", de 2005), tem sido rememorado nesta campanha eleitoral americana, sobretudo pelo próprio candidato.

Mais que folclore político, porém, ele explica muito sobre o ex-coroinha e ex-advogado de 53 anos que quer ser o candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA depois de ter sido deputado, senador e, após perder a reeleição em 2006, lobista.

Santorum é, dos seis nomes que seguem e pontuam na disputa, o mais conservador e o único que tem na bandeira dos valores morais -"fé, família e liberdade", nessa ordem- sua principal.

Anticasamento gay e antiaborto, após 1996 ele endureceu mais, a ponto de ter brigas públicas frequentes.

Sentimental, evoca as raízes sempre que pode (o avô, carvoeiro, e o pai, psicólogo, nasceram na Itália) e chora com naturalidade, sobretudo se fala de Gabriel ou Isabella, a caçula de três anos que tem uma falha genética, a trissomia do cromossomo 18, cujos portadores raramente vivem mais que 12 meses.

E gesticula, ergue a voz, briga sem jamais recuar.

Após um discurso no qual ele comparou o casamento gay à poligamia e ao bestialismo, em 2003, o colunista Dan Savage abriu concurso para criar um neologismo sexual com "santorum".

O resultado -um site que equipara seu nome à mistura de fluidos pós-sexo anal- encabeça até hoje as buscas do Google, onde eleitores pesquisam sobre ele. O político, porém, mantém o discurso.

TEIMOSIA

"Santorum tem uma espécie de síndrome de Tourette [condição neuropsiquiátrica que leva o paciente a desenvolver espasmos verbais, entre outros tiques]", disse o cantor Bono em 2006 ao colunista conservador David Brooks, do "New York Times". "Ele sempre diz a coisa mais impopular possível."

O músico e o político trabalharam juntos em campanhas de combate à Aids na África, pelas quais Santorum é até hoje bem-visto por ativistas e organizações humanitárias que atuam nesse front, como o Global Fund.

A história do bebê também ajuda a entender como, após meses em baixa nas pesquisas, Santorum praticamente empatou com o favorito Mitt Romney na primeira prévia eleitoral, no Estado de Iowa, na terça. Ele é, de longe, o mais tenaz entre seus rivais.

Sua campanha porta a porta -com picape emprestada, assessores ultrajovens e filhos como cabos eleitorais (ele tem sete)- foi tão insistente quanto seu discurso e anacrônica como o colete caramelo caçoado nas redes sociais. Mas, como eles, colou.

Outra coisa o distingue: Santorum é um tipo que parecia extinto na direita americana pós-crise econômica, o "conservador com compaixão", que prega rigor fiscal, mas investe em alguns programas sociais, sobretudo em parceria com igrejas.

São credenciais para atrair o movimento ultraconservador Tea Party, órfão da deputada Michele Bachmann; a direita cristã, que há três décadas alicerça o partido; e a classe média branca e sem diploma universitário, que se identifica com sua criação em Butler, cidade metalúrgica perto de Pittsburgh.

Santorum começa a encher o caixa e pela primeira vez enfrentará debates na mira dos rivais. A próxima prévia, em New Hampshire nesta terça, tem resultado quase certo, com Romney 20 pontos adiante nas pesquisas.

A provação será a Carolina do Sul, dia 21. Ele diz ter fé.

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