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Livro expõe Michelle Obama nos bastidores

Primeira-dama dos EUA irritou assessores do presidente e se rebelou contra limitações impostas pela vida na Casa Branca

Segundo repórter do 'New York Times', Michelle apoiou Obama em temas polêmicos como reforma da saúde

JODI KANTOR
DO “NEW YORK TIMES”

Michelle Obama estava irritadíssima, não apenas com a equipe do presidente, mas com o marido.

Nos dias depois de os democratas terem perdido a vaga de Edward Kennedy no Senado, em janeiro de 2010, Barack Obama, como de costume, estava calmo nas reuniões, recusando-se a comentar o fracasso.

Mas, segundo assessores atuais e anteriores, a primeira-dama não entendia como a Casa Branca pôde ter deixado escapar a vaga crucial, necessária para aprovar a legislação de saúde do presidente e o resto de sua agenda.

Para ela, a perda da vaga era mais uma prova do que vinha dizendo: os assessores de Obama eram isolados demais e insuficientemente estratégicos.

Michelle gostava da ideia de seu marido como figura transformadora, mas, graças, em parte, aos acordos para aprovar a reforma da saúde, muitos começavam a enxergá-lo como político comum.

A primeira-dama nunca enfrentou os assessores diretamente -não era sua maneira de agir-, mas estes tomaram conhecimento de sua opinião pelo presidente. "Ela acha que nosso leme não está bem posicionado", confidenciou Obama.

Rahm Emanuel, o então chefe de gabinete, transmitiu as críticas com indignação, segundo três deles. Em entrevista breve, Emanuel negou que tenha ficado frustrado com Michelle Obama, mas outros assessores descreveram uma situação difícil: um presidente cuja agenda tinha naufragado, uma primeira-dama que desaprovava o rumo da Casa Branca e um chefe de gabinete que se revoltava contra a influência dela.

A Michelle Obama de 2012 é uma motivadora exímia, defensora de causas seguras como as famílias militares e o combate à obesidade infantil, jogadora política cada vez mais astuta e que está ansiosa para usar sua popularidade em prol da reeleição.

Mas entrevistas feitas com mais de 30 assessores atuais e anteriores, além de amigos íntimos do "primeiro casal", para o livro "The Obamas" mostra que Michelle vem sendo uma força não reconhecida na administração.

Inicialmente, ela considerou a possibilidade de adiar por vários meses sua mudança para a Casa Branca; depois de chegar, ela reagiu contra as limitações e obrigações impostas pela residência presidencial. Era monitorada por assessores em relação a tudo -até como decorava os aposentos privados da família.

Novata nos usos e costumes de Washington, mas engajada em relação ao trabalho que seu marido foi eleito para realizar, ela se via como guardiã de valores.

Às vezes era mais intransigente que o marido com sua equipe, eventualmente incentivando-o a substituir assessores, e as tensões se agravaram tanto que em 2010 o então secretário de imprensa, Robert Gibbs, explodiu, amaldiçoando a primeira-dama.

As dificuldades encaradas por Michelle lançam luz sobre alguns dos principais entraves enfrentados pelo presidente na Casa Branca, como o fato de os Obama serem novatos na vida política.

As preocupações da primeira-dama com os assessores apontam para um executivo-chefe com pouca experiência administrativa e que se apegou a um círculo estreito menos unido do que aparentara ser (Emanuel ofereceu-se, em segredo, a renunciar a seu cargo já em 2010).

Michelle reforçava os instintos do presidente em favor de iniciativas ambiciosas, mas impopulares, como a reforma da saúde e das leis de imigração. Assumia posição contrastante com a dos assessores, mais interessados em preservar as vagas no Congresso e nas pesquisas.

FRUSTRAÇÕES

Ao mesmo tempo em que a primeira-dama encantava os americanos, já no início da Presidência, com sua simpatia, seu glamour e sua hospitalidade, ela estava profundamente frustrada e insegura quanto ao lugar que ocupava na Casa Branca, disseram assessores que trabalharam com ela. Advogada formada em Harvard, ela tinha aberto mão de sua carreira por algo que, num primeiro momento, lhe pareceu um cargo indefinido; tentou não comparecer a alguns eventos cerimoniais que, a seu ver, não tinham muita finalidade.

Também tentou limitar sua exposição pública, dizendo que trabalharia apenas dois dias por semana. Dentro da Casa Branca, a dificuldade de convencê-la a concordar em participar de um evento virou alvo de piadas constantes.

O confinamento na Casa Branca também foi um choque; de repente, Michelle se viu afastada de sua vida e seus rituais antigos. Hesitava até mesmo em levar suas filhas à escola ou a partidas de futebol, por receio de provocar uma confusão.

Inicialmente a família pretendia retornar a Chicago com frequência, mas sua primeira tentativa foi tão complicada que eles retornaram poucas vezes: sua casa foi recoberta de cortinas pretas para frustrar possíveis franco-atiradores, e, como eles não podiam mais sair para fazer compras de alimentos, comissários da Marinha os alimentaram em sua própria casa.

Enquanto o presidente achou Camp David artificial e isolado, a primeira-dama adorou o lugar -podia caminhar sem ser incomodada por fotógrafos. O primeiro casal se negou a ser entrevistado.

"Acho que nenhum de nós tinha imaginado até que ponto a experiência inteira seria isoladora", falou em entrevista Eric Whitaker, de Chicago, amigo íntimo dos Obama. "Acho que ser a primeira família não é divertido para nenhum deles."

JODI KANTOR é repórter do "New York Times". O texto acima é um excerto de seu livro "The Obamas", que será lançado amanhã nos EUA.

Tradução de CLARA ALLAIN

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