Entrevista - Mel Levitsky
Está na hora de a relação EUA-Brasil voltar ao normal
Ex-embaixador americano diz que visita cancelada por Dilma deve ser reagendada seja quem for eleito domingo
Depois de "não ter lidado muito bem com o escândalo da espionagem" no ano passado, a Casa Branca deveria reagendar a visita de Estado aos EUA "seja Dilma ou Aécio o vencedor".
A opinião é do diplomata Mel Levitsky, 76, que foi embaixador americano no Brasil de 1994 a 1998 (governo Bill Clinton) e que hoje leciona um curso sobre Brasil na Universidade de Michigan.
Ele acha que Aécio seria convidado rapidamente, mas com Dilma, a Casa Branca "faria uma diplomacia silenciosa para descobrir se ela não vai recusar outra vez".
Levitsky, que está levando um grupo de 23 estudantes para o Brasil em março, diz que o país não pode "esperar sentado" pelos EUA.
Ele opina que a aproximação com o Irã, o apoio à Venezuela e mesmo as declarações "surpreendentes" de Dilma sobre a milícia Estado Islâmico (EI) são por ideologia. "Qual o interesse do Brasil nisso?".
Mas ele diz que Obama não dará prioridade à relação com o Brasil vença quem vencer. "Crises ganham prioridade na Casa Branca e o Brasil está em boa forma. Nem a Argentina em crise consegue ter atenção".
Folha - O que pode mudar na relação do Brasil com os EUA após as eleições?
Mel Levitsky - Qualquer presidente brasileiro deve lutar por mais espaço para o Brasil no cenário internacional, insistir por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, cuidar da liderança regional.
Há coisas que não mudam. EUA e Brasil sempre tiveram discordâncias e disputas comerciais, isso é normal entre países grandes, mas a relação hoje se tornou delicada, muito sensível. Isso não é bom.
Mas Aécio deve ser mais centrista que Dilma, que ultimamente tem dito coisas que não conquistam amigos em Washington.
Quais?
Os comentários da Dilma sobre as ações americanas contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque [pedindo diplomacia] foram surpreendentes. O mundo entende quão perigoso esse grupo é. O Brasil tem uma comunidade sírio-libanesa enorme. Era melhor não fazer nada?
Lula era equilibrado e sensível. Fez um governo centrista, com investimentos sociais, com uma política mais à esquerda, agradando Cuba, Venezuela e Irã para compensar certos setores do PT.
Já Dilma, que tem uma política econômica mais à esquerda que Lula, acabou deixando o Irã de lado e poderia ter uma política externa mais ao centro. Mas depois do escândalo de espionagem da NSA, isso mudou.
A Casa Branca deveria reagendar a visita de Estado [cancelada após o escândalo da espionagem da NSA]?
A Casa Branca deveria reagendar a visita ganhe quem ganhar, o mais rápido possível. Mas a Casa Branca só vai convidar Dilma novamente se tiver certeza de que ela não vai cancelar outra vez.
Uma diplomacia silenciosa terá que ser feita para descobrir isso. Aécio deveria ser convidado logo depois da posse. Está na hora de voltarmos a ter uma relação normal.
O governo brasileiro já deu sinais que não está satisfeito com as explicações da Casa Branca sobre a espionagem. O que falta fazer?
A Casa Branca foi atrás da Merkel [chanceler alemã, também espionada] para fazer as pazes. Parece que não fizeram tão bem em relação a Dilma. Em vez do [vice-presidente Joe] Biden, Obama deveria ter ligado para ela logo em seguida, não deixar a crise crescer. O problema ainda parece solto no ar, não foi resolvido.
Somos ameaçados ao redor do mundo e é normal que os EUA tenham um vasto sistema de inteligência. Mas espionar celular da Dilma ou da Merkel? Não precisamos disso. Temos embaixadores lá que podem falar com elas. Fizeram porque podiam, não por estratégia, e isso não é boa política.
Obama não demonstrou muito interesse na América Latina em quase seis anos de governo. Ganhe quem ganhar no Brasil, isso mudaria?
Obama tem muitas bolas na mão para dar conta. Rússia, Oriente Médio, ebola, Estado Islâmico, China. Sou cético que ele tenha mais espaço na agenda para a América Latina ou para o Brasil.
Se republicanos ganharem o controle do Senado e da Câmara agora em novembro nas eleições legislativas, haverá ainda mais pressão para que ele seja mais duro com Putin e no Oriente Médio. E na Casa Branca as crises ganham prioridade.
O Brasil está em boa forma, apesar da inflação e da desaceleração econômica. Nem temos boas relações com a Argentina agora, imagina.
Como mudar isso? Mais relações comerciais?
A América Latina não pode sentar e esperar o que os EUA pensam para ela. O que um presidente brasileiro tem que pensar é "quais são os meus interesses?", "o que deveria conseguir dos EUA?" e ir atrás desses objetivos. Ser mais pró-ativo e ter uma agenda além dos grampos, da espionagem.
É comum ver críticas do governo americano ao "silêncio" brasileiro em relação à Venezuela, mas muitas vezes os EUA se calam quando seus aliados desrespeitam a democracia ou os direitos humanos. Essas críticas não são contraproducentes?
Nenhum governo é totalmente consistente em direitos humanos. Fazemos relatórios sobre impunidade policial e a condição das prisões no Brasil, mas temos nossos problemas, como os protestos em Ferguson provaram.
Temos um aliado fundamental como a Arábia Saudita, com infrações graves nessa área. A pergunta é: o Brasil apoia a Venezuela por interesses econômicos ou só por ideologia? Eu acho que é pela segunda.
Os EUA têm a dicotomia do "fazer demais" ou "fazer de menos". Em qualquer crise no mundo, de guerra ao ebola, o mundo espera que os "EUA façam algo". Mas, a partir do momento em que entramos, o mundo acha que "deveríamos intervir menos".