Custo de vida e restrições desafiam Cingapura
'Democracia guiada', cidade-Estado enfrenta aumento da desigualdade
País é uma história de sucesso econômico, mas precisa lidar com aspirações de jovens por mais liberdade
Entre as muitas áreas verdes de Cingapura, conhecida por seus jardins futuristas, um espaço totalmente convencional se destaca na paisagem política.
O parque Hong Lim é o único local da cidade-Estado em que são permitidas manifestações públicas, mesmo assim com autorização prévia e sob regras estritas.
Num país onde ordem, organização e eficiência dão o tom, a liberdade de expressão também tem que se encaixar no formato do que alguns chamam de "democracia guiada", outros de "ditadura consentida".
Às vésperas de comemorar o cinquentenário de sua independência, em 2015, Cingapura mantém-se como um modelo de sucesso, com sua mistura de controle político e abertura econômica.
Mas o menor e talvez mais admirado tigre asiático encara desafios para manter a alquimia que permitiu a um território minúsculo e sem recursos naturais estar entre os cinco países com maior renda per capita do mundo.
Entre os problemas estão o elevado custo de vida e o crescimento da desigualdade. Bastam alguns minutos de conversa com um jovem de Cingapura para que se comece a ouvir queixas sobre as dificuldades de manter o nível de vida diante dos altos preços. Cingapura costuma aparecer entre as cidades mais caras do mundo.
Para o economista Donald Low, da Universidade Nacional de Cingapura, um especialista em desigualdade, o governo não está sabendo se adaptar às mudanças na sociedade nos últimos anos.
Segundo ele, são visíveis as rachaduras no contrato social que até hoje funcionou bem, em que os limites às liberdades individuais são compensados pela segurança e prosperidade.
"Há um segmento jovem cada vez mais disposto a falar. Eles vão passar a exigir mais do governo voz, representatividade e prestação de contas", diz Low.
SEM CHICLETE
Quando Cingapura tornou-se independente da Malásia (antes disso, fora um domínio britânico), em 1965, tudo parecia conspirar contra, com exceção da geopolítica, que favoreceu a instalação de um competitivo porto de águas profundas.
Sob Lee Kuan Yew, que governou o país por três décadas até 1990, o país adotou cartilha que provou ser vencedora: abertura a investimento estrangeiro, treinamento de elite de tecnocratas altamente eficiente e tolerância zero para corrupção.
Lee, que tem 92 anos, é considerado o pai da pátria e também o primeiro político-CEO no sistema de país-empresa que ele criou.
Suas ideias são cultuadas, e os vários livros que escreveu estão sempre em destaque nas livrarias.
Embora haja grupos de oposição, o Partido da Ação Popular, de Lee, está no poder desde a independência. O fato de o premiê atual ser Lee Hsien Loong, filho do patriarca, aumenta a sensação de domínio familiar.
A vigilância é uma marca do país. Há relatos de 200 mil câmeras de segurança espalhadas pela cidade-Estado, com área equivalente a metade da cidade de São Paulo e população de 5,5 milhões.
Ficou famosa no mundo uma lei de Cingapura que proíbe a goma de mascar e prevê pena de prisão para quem vender o produto. Acabou virando um símbolo da linha dura imposta no país.
Para Ricardo Pesce, chefe do escritório da Embraer em Cingapura e um dos brasileiros há mais tempo no país, a imagem de rigor excessivo é exagerada.
"Quando cheguei aqui eu conhecia essa imagem, tinha ouvido falar que não era permitido nem beijar em público. Mas depois vi que não é bem assim, é bem tranquilo", afirma Pesce.