Análise
Disputado, local sagrado pode agravar tensão em toda região
Quando a Folha se encontrou com Yehuda Glick, há um ano, ele logo evidenciou posição favorável em relação à presença de judeus na Esplanada das Mesquitas.
A reza judaica nesse lugar específico não é uma demanda da maioria no país, nem a construção de um Terceiro Templo, mas Glick tomou a si a tarefa de avançar rumo a esses objetivos.
Assim, ele organiza com ânimo --atendia ao celular durante toda a entrevista-- as visitas de judeus ao que é hoje um santuário sob controle muçulmano.
Em não poucas ocasiões, o tour foi recebido por palestinos como provocação. Muçulmanos respondem muitas vezes com agressões verbais e físicas, agravando o atrito e mantendo presente, ali, a tensão das narrativas.
O monte Moriá, onde foi construído a partir do século 7 o complexo islâmico do Domo da Rocha e da Mesquita de Al-Aqsa, é considerado sagrado também ao judaísmo.
A tradição sugere que foi ali que Abraão se dispôs a sacrificar seu filho. O rei Salomão teria erguido, no mesmo ponto, seu templo, destruído pela Babilônia no século 6 a.C --e, uma vez refeito, desmontado pelos romanos no século 1º. Muçulmanos creem que Maomé, seu profeta, tenha estado ali antes de sua "viagem noturna".
O que querem movimentos como o Instituto do Templo, ao qual Glick é ligado, é reconstruir um "Terceiro Templo" para que se torne, outra vez, centro de sua fé. Ignorando de certa maneira que, para isso, terá de ser contornado o inconveniente histórico de que a Esplanada seja hoje ocupada por dois dos principais monumentos do islã.
O atentado contra sua vida, nesta semana, é a reação violenta de quem discorda desse discurso. Não pela figura de Glick em si, um simpático ruivo de modos gentis --mas pela estrutura política que se monta em torno da ideia de restabelecer a hegemonia israelense no local.
Quando o atirador lhe atacou, Glick havia acabado de discursar em um evento assistido pelos parlamentares de direita Miri Regev (Likud) e Moshe Feiglin, por empresários e por líderes religiosos.
Também política foi a reação, com o impedimento à entrada de muçulmanos para rezar na Esplanada e a subsequente afirmação da liderança palestina de que Israel declarava "guerra".
Se concretizada a promessa de uma "sexta-feira de raiva", essas semanas, que já vinham tensas, só tendem a se agravar.