ONG alemã permite que os eleitores fiscalizem políticos
Para diretor, sistema político do país não é capaz de se reformar sozinho
Organização fundada em 2004 reúne dados sobre doações e atuação parlamentar; contato com políticos é direto
O Legislativo da Alemanha, a maior potência da União Europeia, é incapaz de se autorreformar, e não se pode acreditar que a democracia seja um bem eterno.
Essa é a opinião de Gregor Hackmack, 36, fundador e diretor-executivo da organização Abgeordnetenwatch (de olho nos parlamentares, em alemão), sediada em Hamburgo, no norte do país.
Fundado em dezembro de 2004, o grupo mantém um site que permite a comunicação direta entre eleitores e políticos, além de reunir dados sobre atuação dos parlamentares e doações a partidos.
Hackmack conta que teve a ideia de fundar a organização em 2003: "Eu me vi fazendo parte da maior passeata na história britânica. O país era, em massa, contra a participação do governo na Guerra do Iraque. Pensei: quando um governo não espelha a vontade do povo, há algo de errado com a democracia."
O diretor-executivo cita o caso do social-democrata Peer Steinbrück, candidato a chanceler derrotado por Angela Merkel em 2013. Em 2010, o blog da organização tornou públicas todas as suas atividades extraparlamentares, incluindo valores astronômicos que embolsava com palestras em multinacionais.
Quando Steinbrück se tornou candidato, jornalistas recorreram aos dados do blog; ele insistiu que seus ganhos eram assunto particular e só depois decidiu divulgá-los. "A candidatura dele desabou em duas semanas", afirma hoje Hackmack, sorrindo.
Leia trechos da entrevista concedida à Folha em Berlim.
Folha - Em entrevista à TV, o sr. afirmou que o Parlamento alemão é incapaz de se autorreformar. A que isso se deve?
Gregor Hackmack - Um dos pontos mais importantes para maior transparência na política é a lei que pune a corrupção de parlamentares, que há até bem pouco tempo não existia na Alemanha. Foi uma das nossas vitórias.
Mas ainda criticamos a falta de um cadastro de lobistas. Só há punição quando o escândalo vaza na mídia. Com essa incapacidade de reforma, o Parlamento põe em jogo sua legitimidade, além de reforçar (ainda mais) a ideia de que política é algo sujo.
Há muito tempo sua organização pleiteia a criação desse cadastro de lobistas. Como ele deve ser concebido?
Às vezes também me pergunto isso (risos). Lobistas que querem aumentar sua influência pelo contato com parlamentares devem ter a obrigação de se registrar num cadastro, que divulgará em quais setores da política atuam e quanto de verba investem no trabalho de lobby.
Já que sabemos que 95% dos lobistas vêm da indústria e só 5% das ONGs, é necessário questionar se, com essa discrepância, o Parlamento segue representando o povo.
O atual governo alemão é composto de uma coalizão dos dois maiores partidos, com uma bancada mínima na oposição. Esse arranjo oferece perigo para a democracia?
Sempre que as instituições começam a perder credibilidade, é um perigo para a democracia. Não quero pintar o Diabo na parede, mas veja a situação ao nosso redor: na Hungria, na Ucrânia. Democracia a gente não possui eternamente. É preciso lutar por ela. Sempre.