Ex-presos de Guantánamo dizem que pretendem ficar no Uruguai
'É aqui que estamos e fomos bem recebidos', afirma à Folha um dos ex-detentos na nova casa
Ali Shaabaan não quis dizer se tem intenção de viver noBrasil, onde comunidade árabe é bem mais expressiva
Em liberdade efetivamente há apenas dois dias, o sírio Ali Hussain Shaabaan, 32, que passou os últimos 12 anos na prisão de Guantánamo, resumiu o que tem lhe feito mais feliz até agora: "É o próprio fato de estar livre", disse à Folha no fim da tarde desta sexta (12), da pequena sacada da casa que agora divide com outros cinco ex-detentos em Montevidéu.
Shaabaan, o único dos seis ex-prisioneiros de Guantánamo transferidos ao Uruguai que fala inglês com uma certa fluência, disse que todos do grupo pretendem, pelo menos por ora, ficar no Uruguai. "É aqui que estamos e fomos bem recebidos."
Ao falar brevemente com a Folha, ele não quis responder se tem intenção de no futuro visitar ou mesmo viver no Brasil --onde a comunidade árabe é muito mais expressiva que no Uruguai.
O grupo, formado por quatro sírios, um palestino e um tunisiano, com idades entre 32 e 49 anos, tem evitado a imprensa desde que saiu do Hospital Militar de Montevidéu, na quinta-feira (11), onde ficaram por quatro dias.
Hospedados temporariamente numa casa do principal sindicato de trabalhadores, o PIT-CNT, no bairro de Palermo, eles decidiram sair em grupos pequenos e de carro nesta sexta, para evitar o assédio dos fotógrafos.
Mais cedo, o sírio Jihad Diyab, 43, que permanece mais isolado do grupo por estar com a saúde frágil após um período de greve de fome na prisão, havia estendido para fora da janela uma calça do uniforme laranja que usavam o Guantánamo.
Depois, mostrou a foto de uma criança, e disse, em inglês pausado: "Eles mataram meu filho". Seu primogênito morreu no conflito na Síria, enquanto ele estava preso.
Foi a primeiras declaração pública de Diyab desde que chegou ao país --ele abriu processo contra o governo dos EUA por forçar sua alimentação por sondas.
O protesto, contudo, não parece ter recebido apoio entre os outros ex-detentos.
"Eu não sei o que ele quis dizer com aquilo. Você precisa perguntar a ele", disse Shaabaan.
ADAPTAÇÃO
Nesta sexta, o grupo começou a ter aulas de espanhol na nova casa e a usar um computador recém-instalado pelo sindicato.
Eles ainda receberam exemplares do Alcorão e tapetes para fazerem suas orações durante o dia. Alguns apareceram na janela bebendo mate --costume uruguaio também popular na Síria.
Os seis aguardavam sua libertação desde março, quando o governo do Uruguai aceitou sua transferência. No país, os seis --que nunca foram acusados formalmente de nenhum crime-- foram reconhecidos como refugiados. Assim, podem viver e trabalhar no Uruguai.
Segundo o sindicato, dezenas de empresários têm oferecido emprego aos ex-detentos. Ao menos um deles, o sírio Ahmed Adnan Ahjam, 37, já revelou com o que pretende trabalhar no país: na produção de joias.