Entrevista Alpha Condé, 76
Ebola estigmatizou a Guiné perante o mundo
Presidente diz que epidemia está sob controle, mas há o temor de a população acreditar que o perigo já passou
Em 2012, dois anos após ser eleito presidente da Guiné, Alpha Condé, 76, disse ao jornal inglês "The Guardian" que gostaria de ser uma mistura de Nelson Mandela e Barack Obama.
Teria de superar uma herança de mais de 50 anos de ditadura, iniciada após o fim da colonização francesa, em 1958, e que só terminou com as eleições de 2010.
Condé afirmou que poderia fazer do pequeno país africano uma democracia estável e uma potência econômica. "Serei Mandela, por sua luta pela liberdade, e Obama, pelo que fez pela esperança".
Não esperava, porém, que o país seria vítima do ebola.
Em um ano, a epidemia matou quase 1.900 pessoas e levou a maioria das multinacionais de mineração --setor responsável por 30% do PIB-- a suspenderem as atividades.
A previsão de crescimento do PIB em 2014 caiu de 4,5% para 1,3%.
A caminho do Fórum Econômico Mundial, o presidente recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva.
Folha - A epidemia de ebola está sob controle na Guiné?
Alpha Condé - Posso dizer que sim. Em janeiro, tivemos apenas três novos casos. Na região de floresta, onde se concentrou a maioria das ocorrências, a situação melhorou muito, apesar da resistência das pessoas em seguir as recomendações dos médicos. Na capital, não temos mais registros.
Mas ainda há muito a fazer. Esse é o momento mais perigoso, porque o problema pode voltar a se agravar se as pessoas começarem a acreditar que agora está tudo bem.
Lançamos, em 10 de janeiro, o programa Ebola Zero, para erradicar completamente o vírus. Em primeiro lugar, devemos isolar os agentes de contaminação. Se a pessoa tiver contato com a doença, deve ser mantida em isolamento completo por pelo menos 20 dias.
O mais importante é ter o apoio da população para informar sobre novos casos.
O financiamento do programa vem dos US$ 200 milhões do Banco Mundial destinados à luta contra o vírus nos três países mais afetados.
Quais as consequências dessa epidemia para a Guiné?
O investimento feito por empresas internacionais desapareceu. Milhões de dólares dos contratos do setor de mineração foram suspensos. E há ainda as perdas sociais.
Todas as escolas tiveram de ser fechadas, e os estudantes ficaram sem aulas durante três meses.
Além disso, o país fica estigmatizado perante a comunidade internacional.
Quais medidas econômicas o país deve tomar?
Tenho um encontro em Davos com Christine Lagarde [presidente do Fundo Monetário Internacional; a reunião ocorreu no último dia 22], no qual farei o pedido de anulação total da dívida externa dos três países afetados pelo ebola. Essa demanda foi feita em dezembro de 2014 pela Comissão Econômica para a África (CEA), órgão da ONU.
A França tem feito muitos esforços para ajudar a Guiné, mas o país também não se encontra em boa situação financeira. O suporte, no entanto, deve ser global, aos três países mais atingidos pela epidemia.
Quais lições o país tirou dessa crise?
Em primeiro lugar, que devemos reforçar o investimento em saneamento básico e no sistema de saúde. Se nossos hospitais e laboratórios fossem mais desenvolvidos, teríamos controlado a epidemia rapidamente.
Por isso, meu principal objetivo é formar médicos e criar e equipar laboratórios para que a Guiné seja capaz de detectar rapidamente essa e outras doenças e mantê-las sob controle. Devemos criar centros de saúde comunitários em áreas rurais isoladas. Também temos de construir e reformar os centros de saúde das prefeituras.
Em sua opinião, o ebola ainda pode se tornar ainda uma epidemia mundial?
Espero que todos os países se mobilizem para desenvolver uma vacina. Acredito que somos capazes de impedir que o ebola se torne uma epidemia mundial.
Logo após o atentado ao jornal "Charlie Hebdo", o senhor lembrou que na sua juventude, quando morou em Paris, foi colaborador do jornal...
Hoje (dia 19) me encontrei com o presidente François Hollande para apresentar minhas condolências. Evidentemente nós condenamos esses atentados. Somos solidários à França e a favor da liberdade de expressão. A comunidade internacional deve se unir para combater tudo o que possa nos dividir.
O senhor teme que na Guiné, país onde cerca de 85% da população é muçulmana, também possam ocorrer manifestações contra o jornal como as que aconteceram em outros países, como o Níger?
Temos o hábito de praticar a tolerância. Não acredito em manifestações na Guiné. Somos um povo tolerante.
Como estão as trocas comerciais entre o Brasil e a Guiné?
A Vale veio à Guiné nos anos 2000 para explorar as minas de ferro de Simandou por meio de uma parceira comercial [a israelense BSGR], investigada por corrupção [a Vale desfez a sociedade e arcou com um prejuízo de US$ 1,2 bilhão].
Queremos que esse caso se resolva e que a Vale volte a atuar na Guiné. Temos também a presença da OAS em projetos de obras públicas.