Polícia mata jovem em ato na Venezuela
Garoto de 14 anos foi atingido na cabeça durante manifestação estudantil no início da tarde em San Cristóbal
Pai diz à Folha que filho só passava pelo local; Maduro afirma que a Constituição 'proíbe a repressão armada'
Um tiro disparado por um policial matou nesta terça-feira (24) um adolescente de 14 anos durante uma manifestação estudantil antigoverno em San Cristóbal, extremo oeste da Venezuela, deflagrando revolta na cidade.
A morte ocorreu na mesma região onde começaram os protestos que resultaram em 43 mortos no ano passado e foi a primeira do gênero em 2015. Semanas antes, o governo autorizara forças de segurança a usar armas letais em manifestações violentas.
O presidente Nicolás Maduro, porém, disse que a Constituição "proíbe a repressão armada de maneira explícita" e enviou condolências à família de Kluyberth Roa, morto ao ser atingido na cabeça.
Maduro admitiu a culpa de um policial, já detido, e alegou que o disparo partiu de uma "escopeta com balas de borracha" após manifestantes atacarem a polícia.
Mas o pai de Kluyberth, Eric Roa, disse à Folha, por telefone, que a autópsia provou que o tiro partiu de arma de fogo. Vídeos nas redes sociais mostram o rapaz no chão, com o crânio aberto e pedaços de cérebro no asfalto.
Segundo Eric, Kluyberth não estava entre os estudantes da Universidade Católica de Táchira que participaram do protesto contra a crise econômica e o endurecimento.
"Meu filho só estava passando perto da universidade, como sempre fazia, para pegar ônibus", disse Eric, fotógrafo numa prefeitura local e afiliado ao partido Copei, anti-Maduro. Há relatos não confirmados de que ele foi morto à queima-roupa, após implorar para não ser baleado.
O autor do tiro foi identificado pelo Ministério Público como Javier Mora Ortiz, 23, da Polícia Nacional Bolivariana. Ele confessou a autoria, segundo a ministra do Interior, Justiça e Paz, Carmen Meléndez, para quem o episódio foi "ato individual" e não reflete a "nova polícia humanista".
Para Eric, porém, a polícia é "a pior coisa" que o governo fez. "Esses policiais são uns moleques de 20 e poucos anos que têm o gatilho fácil e se divertem com o sofrimento das pessoas. Por que não atacaram os manifestantes ou os delinquentes nas favelas?"
Segundo Eric, Kluyberth não tinha envolvimento com política e era escoteiro. Seu sonho era se tornar professor de educação física.
Moradores de San Cristóbal disseram à Folha que a situação na cidade é tensa. Jovens montaram barricadas nas ruas e incendiaram um posto policial. O comércio fechou as portas, e o transporte público foi interrompido.
San Cristóbal ficou conhecida por ser o epicentro da onda de protestos estudantis de 2014, cujo impacto político é sentido no país até hoje.
TENTATIVA DE 'GOLPE'
O governo diz que as manifestações escondiam uma tentativa de golpe semelhante à de 2002, quando a oposição tentou derrubar o então presidente Hugo Chávez.
Vários opositores acusados de instigar protestos foram presos no último ano, como o prefeito de San Cristóbal, Daniel Ceballos, e o ex-prefeito de Chacao Leopoldo López.
Na semana passada, um juiz ordenou a prisão do prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, sob a mesma justificativa.
A oposição diz que a única resposta do governo diante da crise econômica (que gera inflação e desabastecimento) é o aumento da repressão.