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Análise

Estados Unidos e China são rivais, mas se tornam cada vez mais colaboradores

IMMANUEL WALLERSTEIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O relacionamento entre a China e os Estados Unidos é assunto importante para as classes falastronas (blogueiros, mídia, políticos, burocratas internacionais). Suas análises em geral descrevem a relação entre uma superpotência em declínio, os EUA, e um país "emergente" em rápida ascensão, a China.

No mundo ocidental, o relacionamento é quase sempre definido de maneira negativa, com a China vista como "ameaça". Mas ameaça a quem e em que sentido?

É claro que, quando o Partido Comunista conquistou a China, chineses e americanos pareciam ter se transformado em ferozes inimigos. Na Guerra da Coreia, combateram em lados opostos.

Mesmo assim, pouco tempo depois o presidente Richard Nixon fez sua famosa visita a Pequim e estabeleceu uma aliança prática contra a União Soviética.

Como parte de seu acordo, os Estados Unidos romperam suas relações diplomáticas com Taiwan (ainda que tenham mantido sua garantia de proteger o país contra uma invasão chinesa).

Embora o colapso da União Soviética tenha tornado irrelevante a aliança, o relacionamento não mudou, na prática. Na verdade, eles se aproximaram ainda mais.

A situação em que o mundo se encontra hoje envolve um grande superavit chinês com os EUA, e boa parte desse excedente ruma para títulos do Tesouro americano, o que ajuda a garantir a capacidade de Washington para continuar a investir recursos pesados em suas múltiplas atividades militares e a se manter como bom comprador de produtos chineses.

Ocasionalmente, os dois governos adotam retórica áspera, ainda assim nunca é muito sábio prestar atenção à retórica.

Nos assuntos globais, a retórica em geral tem por intento primário exercer efeito político no país do qual se origina, em vez de refletir a verdadeira política com relação ao país contra o qual é dirigida.

As ações dos países merecem mais atenção. Atentem ao seguinte: em 2001, pouco antes do 11 de Setembro, um avião chinês e um avião norte-americano colidiram ao largo da ilha de Hainan.

O avião norte-americano provavelmente estava espionando a China. Alguns políticos dos Estados Unidos apelaram por resposta militar. O presidente George W. Bush discordou. Mais ou menos se desculpou com os chineses e obteve a restituição do avião e a libertação dos 24 aviadores americanos capturados.

Nos diversos esforços americanos para obter apoio da ONU às ações do país, em diversas arenas, os chineses muitas vezes dissentiram, mas jamais vetaram uma resolução que os EUA tenham proposto diretamente. A cautela de parte a parte parece vir sendo a atitude preferencial, a despeito da retórica.

Assim, em que ponto estamos? A China, como todas as grandes potências atuais, tem uma política externa multifacetada, que abarca todas as regiões do planeta.

Creio que a prioridade número um seja o relacionamento com o Japão e as duas Coreias. A China é forte, sim, mas o seria muito mais caso fizesse parte de uma confederação do nordeste asiático.

China e Japão precisam um do outro, primeiro como parceiros econômicos e segundo para garantir que não haja confronto militar entre eles. A despeito de ocasionais desentendimentos causados por sentimentos nacionalistas, os dois países vêm avançando nessa direção.

Para a Coreia do Sul, a China serve como elemento crucial na contenção dos norte-coreanos. No caso da China, instabilidade na Coreia do Norte poderia significar ameaça imediata à sua fronteira.

Quanto à percepção americana desses desdobramentos, não seria razoável supor que o país está tentando aceitar uma confederação do nordeste asiático enquanto esta se desenvolve? Seria possível analisar a presença militar dos EUA no nordeste, no sudeste e no sul da Ásia não como postura militar séria, e sim como manobra de negociação no jogo geopolítico que se desenrolará ao longo dos próximos dez anos.

China e Estados Unidos são rivais? Sim, em certa medida. Já são inimigos? Não, não são inimigos. São colaboradores? Já colaboram em grau maior do que admitem e o farão em escala muito maior à medida que a década avança.

IMMANUEL WALLERSTEIN é pesquisador sênior da Universidade Yale e autor de "The Decline of American Power: The U.S. in a Chaotic World" [o declínio do poderio americano: os EUA em um mundo caótico].

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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