Análise
Aposta de Washington e Teerã era arriscada, mas necessária
O acordo desta quinta-feira (2) entre Irã e as seis potências por muito pouco não fracassou na reta final.
A França chegou a abandonar as conversas. Os americanos ameaçaram fazer o mesmo. Nas últimas horas, negociadores estavam confusos e irritados.
O que salvou o processo foi a determinação de Irã e EUA, verdadeiros protagonistas desta história, em chegar a um acordo. Para ambos os países, a aposta era arriscada, mas necessária.
O Irã de hoje é muito diferente do que era nos primórdios das negociações, iniciadas em 2003.
Sanções financeiras e isolamento político impostos desde então abalaram o país, que agora busca reintegrar o sistema global.
Por outro lado, Teerã avançou suficientemente no seu programa nuclear para se permitir concessões sem que isso pareça capitulação.
A República Islâmica garantiu em Lausanne, na Suíça, nada mais nada menos que a legitimação internacional de seu programa nuclear, apesar de ter reduzido sua capacidade técnica.
O acordo fortalece a corrente mais pragmática do regime iraniano, encabeçada pelo chanceler Mohammad Javad Zarif e pelo presidente Hasan Rowhani, que enfrentou a fúria dos ultraconservadores em Teerã.
Impensável sem o aval do líder supremo Ali Khamenei, o pacto joga por água abaixo a ideia de que os iranianos eram "ideologicamente" avessos a concessões.
Já os EUA conseguiram tornar muito mais complicado e custoso para o Irã fabricar a bomba, caso decidisse fazê-lo. De quebra, Washington reduziu riscos de nova guerra.
O presidente Barack Obama poderá entrar para a história como o líder que desatou um dos maiores nós geopolíticos, consolidando ainda seu plano de retirada americana do Oriente Médio.
Para isso, ele teve de peitar lobbies internos e velhos aliados, como Israel e Arábia Saudita. Salvo catastrófica reviravolta, o acordo será firmado no final de junho.
É cedo para falar em normalização entre Irã e EUA, rompidos desde a Revolução Islâmica, em 1979. Os dois países continuam em lados opostos na Síria e no Líbano. A crise que acaba de irromper no Iêmen também é uma guerra por procuração entre Teerã e aliados dos EUA.
O passivo bilateral inclui ainda o caso do jornalista americano-iraniano Jason Rezaian, correspondente do jornal "The Washington Post" no país, preso em Teerã há nove meses sem explicação.
Mas, pela primeira vez em 35 anos, Teerã e Washington compartilham em doses iguais o afã de reduzir tensões, o que, por si só, permite vislumbrar uma reaproximação entre os dois países.