'Química' pessoal auxiliou em pacto com Irã
Empatia de Obama com Rowhani e também entre seus assessores facilitou entendimento entre Teerã e Washington
Kerry e chanceler Zarif trocaram números privados; negociador dos EUA deu presente a neto de colega iraniano
Após doze anos de impasse, negociações nucleares com o Irã alcançaram um entendimento histórico, cujos contornos foram definidos na quinta-feira passada (2) em Lausanne, Suíça.
As linhas gerais do pacto --que ainda será revisado pelas partes até ser oficializado, no fim de junho-- conciliam a preservação do programa nuclear iraniano com garantias de que não produzirá a bomba atômica.
Decisões de Estado transcendem individualidades, mas diplomatas e analistas concordam que um dos grandes facilitadores nessa reta final foi a "química" pessoal entre representantes de Irã e EUA, os dois verdadeiros protagonistas das conversas que incluem outros cinco países.
Palpável por todos os jornalistas, a empatia se instalou logo que Teerã e Washington decidiram romper o impasse nuclear, no embalo da posse do presidente iraniano, Hasan Rowhani, em agosto de 2013.
O primeiro contato oficial direto entre Irã e EUA desde a revolução islâmica de 1979 aconteceu em Nova York, em meio à Assembleia Geral da ONU, semanas após a posse de Rowhani.
O chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, e o secretário de Estado americano, John Kerry, conversaram, apertaram as mãos diante das câmeras e trocaram números de telefones privados.
Desde então, se chamam pelos respectivos prenomes, John e Javad.
Dois fatos ajudaram a cimentar essa sintonia. O primeiro é a familiaridade de Zarif com a cultura americana. Ele passou boa parte da vida nos EUA, como estudante e como diplomata na ONU. Sua fluência no inglês é desconcertante.
O segundo é de ordem familiar: a filha de Kerry é casada com um médico iraniano radicado nos EUA. Há relatos de que a moça já visitou os sogros no Irã.
Ao final da mesma Assembleia Geral, quando a comitiva iraniana se dirigia ao aeroporto, o celular de Rowhani tocou. Era Obama.
No início dos 15 minutos de conversa, o americano se desculpou pelo trânsito nova-iorquino, segundo o "Guardian." Ao final do papo, Obama se despediu com o cumprimento tradicional em farsi, o idioma do Irã: "khoda hafez" (Deus te cuide). Rowhani devolveu com um "have a nice day" (tenha um boa dia).
As coisas se complicaram quando os simbolismos de apaziguamento deram espaço às discussões de fundo sobre tecnicidades, sanções e prazos. Mas a tensão numa das primeiras rodadas de conversa, em Genebra, foi amenizada pela preocupação geral com a saúde de Zarif.
Sofrendo uma crise aguda de dores nas costas, o ministro se locomovia numa cadeira de rodas e chegou a ser retirado da sala de negociações para receber cuidados.
Por várias rodadas, as discussões eram entremeadas com conversas sobre acupuntura e dicas de remédio.
Com tantos encontros, iranianos e americanos compartilharam momentos pessoais fortes. Numa das rodadas, um negociador iraniano que é irmão do presidente Rowhani foi informado da morte de sua mãe. Kerry o consolou pessoalmente.
Quando nasceu o primeiro neto de Ali Akbar Salehi, físico nuclear da delegação de Teerã, o secretário de energia dos EUA, o também físico nuclear Ernest Moniz, o presenteou com brinquedos de bebê estampados com o logo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde ambos estudaram.
Foram Salehi e Moniz que vararam a noite de quarta (1º) para quinta (2) ultimando detalhes do acordo, quando os diplomatas não aguentavam mais ouvir falar em centrífugas e plutônio.