Entrevista - Tarek William Saab
FHC é sombrio e viola a soberania do Estado venezuelano
Espécie de ombudsman e porta-voz do governo, defensor do povo critica atuação do ex-presidente em prol de presos opositores
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é um personagem sombrio que não tem direito nem moral para defender opositores venezuelanos na cadeia.
Foi o que disse à Folha o Defensor do Povo da Venezuela, Tarek William Saab, espécie de ombudsman do país. Ele atua como mediador entre o poder público e o cidadão e também se autodenomina porta-voz do Estado.
FHC integra uma comissão liderada pelo ex-premiê espanhol Felipe González para atuar em prol de prisioneiros políticos venezuelanos. O ex-presidente pretende fazer visita aos opositores em breve.
Colaborador próximo de Hugo Chávez, Saab se manteve no alto comando do país sob Nicolás Maduro.
Folha - Em que consiste a defensoria do povo?
Tarek William Saab - Somos o órgão de direitos humanos. Temos 12 atribuições constitucionais dedicadas à mediação entre o Estado e a sociedade. Mediamos conflitos de todo tipo e defendemos direitos indígenas e das minorias. Nossas prerrogativas incluem levar iniciativas legais à Assembleia Nacional, reformar artigos e fazer leis e recomendações com caráter vinculante a tribunais.
O senhor também defende cidadãos opositores?
Quem nos acusa de sermos partidários são setores extremistas da oposição. O cidadão comum que não está ligado ao radicalismo não vê problema nenhum.
O que responde a governos e ONGs que acusam a Venezuela de violar direitos humanos?
Fui ativista de direitos humanos dos anos 70 aos 90, e vivi a era dos esquadrões da morte da polícia e dos militares que massacravam civis. O Caracazo, em 1989, foi um terrorismo de Estado até hoje sem igual na América Latina: 3.000 mortos em cinco dias.
Nenhum destes casos tramitou com êxito na Justiça nem nos organismos internacionais, seja OEA, seja ONU. O que há hoje são casos pontuais. Sob nossa nova Constituição, quem viola direitos humanos é detido e julgado.
Nos protestos criminosos [de 2014], houve 43 mortes, cinco delas pelas mãos de funcionários de segurança. Estão todos presos.
A mídia foca em dois ou três casos. Mas há violações contra outras pessoas. Os policiais mortos por franco-atiradores não merecem direitos humanos também? E os oito motoqueiros degolados por fios de náilon estendidos na rua a pedido do general opositor Angel Vivas?
Os EUA discriminam e reprimem minorias, invadem e atacam países, ignoram resoluções da ONU e dizem que violamos direitos humanos.
O que pensa dos planos de o ex-presidente FHC ir à Venezuela auxiliar a defesa dos opositores presos?
FHC é um personagem sombrio. A maneira com que cartelizou e privatizou os serviços foi uma violação maciça dos direitos humanos dos brasileiros. Sua política neoliberal abriu caminho para o triunfo de um operário como Lula. O pupilo de FHC, José Serra, perdeu [em 2002] porque o Brasil se cansou desse sistema que só faltou privatizar a seleção de futebol.
FHC será impedido de ir à prisão onde estão os opositores Antonio Ledezma, prefeito de Caracas, e Leopoldo López?
A atuação de FHC e de outros ex-presidentes viola nossa soberania. Já pensou se um ex-presidente venezuelano aparecesse no Brasil, sem visto de trabalho nem permissão de um juiz para ser consultor jurídico, e dissesse que quer visitar na cadeia e defender [o traficante] Fernandinho Beira-Mar? Todo mundo diria que é ingerência em assuntos internos do Brasil. Tudo isso é propaganda para atacar a institucionalidade venezuelana. O chefe da campanha é Barack Obama, que, no fundo, quer apoderar-se do nosso petróleo.
Mas, com produção elevada, os EUA precisam cada vez menos de petróleo estrangeiro.
Impérios sempre querem mais. Temos a maior reserva do mundo. De todo modo, os EUA sabem que cometeram um erro estratégico e chegam à Cúpula das Américas desmoralizados. O G77, os não alinhados, a Unasul, todos rechaçaram o decreto de Obama [que considerou a Venezuela uma ameaça à segurança dos EUA e impôs sanções a autoridades]. Isso deu grande vitória moral à Venezuela.
O senhor não acha que os venezuelanos se preocupam muito mais com filas no comércio e criminalidade do que com Obama?
O decreto é uma declaração de guerra. Quanto aos temas que você menciona, há um esforço diário do Estado e dos setores produtivos para resolvê-los.
O governo não tem nenhuma autocrítica?
É preciso ir mais a fundo na depuração policial. Se tivéssemos uma polícia depurada e apegada à ética e aos direitos humanos, cairia muito a criminalidade. Muitos crimes são cometidos por funcionários ou ex-funcionários policiais. Também me preocupa o tema dos insumos médicos. Grandes laboratórios, inclusive do Brasil, são capazes de suprir o que pode ter falhado.
A Lei Habilitante dá plenos poderes a Maduro. Quem garante que ele não irá usá-los para postergar a eleição?
A eleição parlamentar está marcada para 2015. Governo e oposição já anunciaram fórmulas de definir candidatos. Nunca houve dúvida quanto a isso.