Alemães deixam igrejas para evitar taxas
Pelo menos 380 mil católicos e evangélicos abandonaram oficialmente sua fé para fugir dos impostos em 2014
Cobrança é calculada em cima do imposto de renda e em ganhos de capital; mudança no sistema gerou fuga
Na Alemanha, ser membro oficial de uma igreja não implica apenas assistir à missa e seguir o evangelho, mas também pagar o kirchensteuer (imposto da igreja), espécie de dízimo recolhido diretamente sobre salários e ganhos de capital dos fiéis pela Receita Federal.
Só que uma mudança nessa cobrança está levando milhares de alemães a abandonar oficialmente as igrejas Católica e Evangélica (EKD) --que graças ao imposto arrecadaram quase € 11 bilhões (R$ 37,4 bilhões) em 2014.
Cerca de 200 mil fiéis abandonaram a Igreja Evangélica em 2014, um aumento de 45% nas desistências em relação a 2012 (em 2013 não houve levantamento).
Já entre os católicos, levantamentos parciais apontam no mínimo 180 mil "desertores". A estimativa, no entanto, é considerada conservadora por especialistas.
O fenômeno de abandono é constante há décadas no país e já registrou outros picos --após os escândalos de pedofilia envolvendo o Vaticano em 2010, por exemplo--, mas as estimativas combinadas das duas igrejas no ano passado representam a maior saída de cristãos em 20 anos.
O imposto data do início do século 19, quando vários Estados independentes localizados no atual território da Alemanha criaram uma taxa para compensar as igrejas pelo confisco de propriedades.
Ela foi incluída na Constituição da Alemanha Ocidental em 1949 e afeta alemães oficialmente batizados a partir do momento em que passam a pagar imposto de renda.
A cobrança ocorre de duas formas: uma taxa extra de 8% ou 9% calculada em cima do imposto de renda e um percentual semelhante sobre os impostos por ganhos de capital (investimentos de renda fixa, por exemplo).
Um cristão solteiro na Alemanha com um salário de € 36 mil por ano deve € 7.500 de imposto de renda. Em cima desse valor, ele ainda tem que pagar cerca de € 600 (R$ 2.040) extras para sua igreja.
Os membros da comunidade judaica também pagam. Nos últimos anos, clérigos muçulmanos têm feito pressão para que a Receita cobre seu crescente número de fiéis.
Graças aos ganhos, algumas arquidioceses católicas alemãs são extremamente ricas --como a de Colônia, que possui € 3,35 bilhões (R$ 11,4 bilhões), mais do que o próprio Vaticano, que em seus balanços afirmou ter € 2,64 bilhões (R$ 9 bilhões).
MUDANÇAS
Em 2014, os cristãos do país passaram a enfrentar o temor de pagar mais ainda, graças a uma reforma no imposto da igreja em cima dos ganhos de capital, que é recolhida pelos bancos e debitada em conta.
Até janeiro, muitos clientes evitavam informar a religião para seus bancos como forma de fugir de outro desconto. Agora os bancos são obrigados a conseguir os dados.
Para Carsten Frerk, especialista em finanças religiosas e crítico do sistema, o lobby das igrejas junto ao governo alemão para acabar com a brecha irritou os cristãos que já pagavam resignados a taxa sobre o imposto de renda ou que já estavam com um pé fora da igreja.
"Eu não era um católico ativo, mas já havia pagado o imposto em cima do salário algumas vezes sem pensar muito. Ano passado, recebi uma carta do banco com as novas regras. Em novembro, resolvi sair definitivamente da igreja para evitar novos descontos", afirma o designer Johannes Neukmann, 27.
As igrejas se defendem afirmando que as mudanças não representam novo imposto.
Thomas Begrich, diretor financeiro da EKD, afirma que os valores são necessários para custear trabalhos sociais e escolas. "Não estamos nadando em dinheiro."
Para evitar o imposto, é preciso preencher um formulário junto às autoridades e pedir o desligamento da igreja. Só que, para as igrejas alemãs, é impossível ser membro e não contribuir. Como consequência, os clérigos podem recusar celebrar sacramentos como casamentos e ritos fúnebres.
O não pagamento também pode causar problemas profissionais. A Igreja Católica e a Luterana são os maiores empregadores do país depois do governo, com cerca de 1 milhão de funcionários em igrejas, escolas e hospitais, e têm o direito de demitir quem não queira pagar o imposto.
SURPRESA
A cobrança gera espanto em muitos estrangeiros cristãos que se mudam para a Alemanha. Ao preencher seus contratos de trabalho ou seus registros de residência na prefeitura, eles têm a opção de informar sua religião.
Só que vários incautos não notam que a resposta pode resultar em uma futura cobrança e ficam surpresos quando percebem o desconto extra em seus salários.
A imprensa alemã revelou que o futebolista italiano Luca Toni, 37, que jogou pelo Bayern de Munique, está brigando na Justiça para não ter que pagar € 1,7 milhão (R$ 5,8 milhões) em taxas atrasadas à Igreja Católica.
Ele alega que o clube o registrou como católico sem o seu consentimento na renovação do seu contrato, em 2008. A Justiça propôs que o clube, Toni e seu contador dividissem a fatura, mas o jogador não aceitou. Uma decisão deve sair em julho.