Fome crescerá no país se escassez persistir, diz FAO
Uma semana após a FAO (braço da ONU para Alimentação e Agricultura) reconhecer a Venezuela como um dos países que mais avançaram na luta contra a fome, o representante da agência em Caracas, o brasileiro Marcelo Resende, admitiu que os avanços estão em risco.
Em entrevista à Folha, Resende prevê aumento da fome caso o desabastecimento e a inflação [de quase três dígitos] se prorrogarem por mais de um ano.
Resende, que foi presidente do Incra no governo Lula, defendeu o modelo de gestão venezuelano, mas negou ser alinhado ao chavismo.
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Folha - De onde vêm os elogios da FAO à Venezuela?
Marcelo Resende - Em 1990, havia 2,8 milhões de venezuelanos com fome, ou 14,1% da população. Desde 2010, este número está abaixo de 5%. A Venezuela, portanto, cumpriu com as metas do Milênio e com as da Cúpula Mundial contra a Fome [para reduzir a fome no mundo pela metade até 2015]. Só 29 países cumpriram ambas as metas. Dados da ONU mostram que a Venezuela é um dos países com menos desigualdade na América Latina. Isso se deve aos mecanismos de transferência da renda, como as missões sociais, e à rede de abastecimento criada pelo governo.
Os dados da FAO são fornecidos pelo governo?
Sim. Não só aqui como no mundo todo. Mas são dados fáceis de verificar, porque, como a maior parte dos alimentos vem do exterior, basta revisar o volume de alimentos importados.
Como falar em reconhecimento diante da escassez e da inflação que assolam os venezuelanos?
Tem fila? Sim. Desabastecimento? Também. Inflação? Sim. São coisas péssimas para a segurança alimentar. Mas até o momento, isso não interferiu na disponibilidade calórica. Você vai no mercado e não encontra de tudo, mas uma hora os produtos aparecem, alternadamente. Um dia tem açúcar, no outro tem café. Não é verdade que ninguém tem acesso a nenhum alimento e passa fome.
Mas a crise econômica já afeta mercados estatais, e há dados que indicam alta da pobreza.
Se você planejou todo o seu orçamento com barril a US$ 100, e esse barril baixa a US$ 29, é claro que algo acontece. Mas o governo segue com as políticas sociais e não fez choque de gestão. Aqui sempre houve ciclos. Há momentos de disponibilidade de alimentos e controle da inflação melhores que outros. Mas, de fato, se os níveis de escassez e inflação se mantiverem por um ou dois anos, é claro que isso acabará afetando os dados da FAO.
O que diz aos que o acusam de alinhamento ao chavismo?
A FAO estará sempre com quem quer combater a fome. Nosso papel é brindar assistência técnica. Não me meto nas opções políticas dos venezuelanos. A FAO não vê as coisas de cima para baixo; trabalha em função das diretrizes que o país estabeleceu. Não vou confrontar as opções políticas, muito pelo contrário. (...) Os instrumentos de participação social na Venezuela são importantes para a segurança alimentar.