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Marcas do Holocausto

No Brasil, sobreviventes do massacre nazista enfrentam a memória da dor para que não se esqueçam as vítimas, que o mundo lembra hoje

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

"A memória da criança é como um filme virgem. O que você grava, fica", assegura a polonesa que aos nove anos viu, da sua janela, a atrocidade de que o nazismo foi capaz.

Rita Braun, hoje com 81 anos, não esquece o que viveu durante a ocupação nazista de seu país, mas também não quer esquecer.

Para ela, é seu dever contar tudo o que passou, para que não se repitam as atrocidades vistas no Holocausto, cujas 6 milhões de vítimas são lembradas no dia de hoje, em todo o mundo.

Por isso, ao fugir com documentos falsos do gueto em Stanislawow, ela escondeu por anos, nos sapatos, a braçadeira branca com a estrela de David bordada em azul que todos os judeus eram obrigados a usar depois da ocupação alemã. "Não podia deixá-la para trás. Mas nunca mais a coloquei no braço", conta.

Braun foi salva em diversas situações por uma mãe corajosa, pelo pai -que morreu na mão dos nazistas-, pelo padrasto, por um tio.

Do gueto, carrega as piores lembranças. Passou fome e teve de vasculhar os lixos dos alemães em busca de restos de comida, que cozinhava com grama.

"Todos os dias, via da janela dois homens empurrando carrinhos de pedreiro onde tinha uma montanha de judeus mortos. Era um quadro macabro. Por causa do contato do carrinho com os paralelepípedos, os braços, pendurados, balançavam, como se estivessem dando adeus."

Um pouco mais velho, o também polonês Ben Abraham, 87, acompanhou, com seus olhos de adolescente, fuzilamentos em massa, enforcamentos coletivos, massacre de crianças.

Ele tinha 14 anos quando, em setembro de 1939, os alemães chegaram à cidade de Lodz e prenderam todos os judeus em um gueto cercado.

Ali, perdeu o pai, que escapou dos caminhões transformados em câmaras de gás para os quais Abraham viu amigos serem levados, mas não sobreviveu à fraqueza causada pela fome. "Minha mãe dizia que ele teve sorte, pois ao menos teve um enterro judeu [no gueto]", lembra.

Sua mãe não teve. Com Abraham, foi levada ao campo de concentração de Auschwitz, de quem se separou já na chegada.

"Despedi-me pedindo que Deus nos ajudasse a sobreviver à guerra para nos reencontrarmos. Nunca mais a vi. Uma mulher que trabalhava junto com ela disse que foi enviada pelo [cientista nazista Joseph] Mengele para a morte."

Abraham diz não saber qual é a mais terrível lembrança: a morte do pai, a despedida da mãe, as imagens da fumaça preta dos corpos queimando em Auschwitz. "Talvez seja a de quando alemães chegaram a um hospital no gueto e, levando crianças pelas pernas, esmagaram suas cabeças contra o muro e jogaram seus corpos em caminhões."

Em Auschwitz, ele passou duas intermináveis semanas, até ser "comprado" por uma fábrica alemã de caminhões.

Braun e Abraham não arriscam dizer se a sorte ou o destino os ajudaram a sobreviver. Acreditam, apenas, na missão de não deixar o passado morrer com a sua geração.

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