Cuba se divide sobre embaixada dos EUA
Reabertura, nesta segunda, gera expectativa por economia e fim do isolamento, mas temor de 'invasão capitalista'
Representação deve ser reaberta publicamente no início de agosto, com visita do secretário de Estado, John Kerry
Josefina C., 74, passou a maior parte da vida em devoção à Revolução Cubana.
Ela correu o mundo em missões pelo governo, atuou na militância comunista e se alegra até hoje ao contar que conheceu pessoalmente os três maiores heróis do movimento de 1959: Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos.
Nesta segunda-feira (20), Josefina verá materializar-se, a três quadras de sua casa, a maior guinada na história da Revolução Cubana: a reabertura da Embaixada dos EUA em Havana, ponto alto no processo de normalização entre os dois rivais anunciado publicamente em dezembro.
Fechada desde 1961, a embaixada funcionará no mesmo prédio austero de concreto e vidro espelhado que abriga a seção de interesses americanos, representação diplomática com status inferior.
Cuba também reativará sua embaixada em Washington, que será inaugurada em evento nesta segunda-feira (20).
Josefina, apesar de doutrinada na escola de pensamento da Guerra Fria, vê a reaproximação com bons olhos. Com a ressalva de que o embargo comercial à ilha comunista acabe levantado.
"Há alguns dias, passei em frente ao prédio e caiu a ficha: finalmente encerramos este capítulo de amargura. Que bom, pois não se pode viver em conflito permanente", diz a funcionária aposentada do Ministério do Comércio Exterior, ecoando sentimento da grande maioria dos cubanos.
Josefina diz não se incomodar com a perspectiva de ver a bandeira americana tremulando na avenida principal do bairro onde reside nem com a possível chegada, num futuro ainda distante, de marcas icônicas dos EUA, como lanchonetes McDonald's.
A militante evita falar em "capitalismo" e "liberalismo", mas afirma que os laços com Washington poderão trazer "mudanças" capazes de melhorar condições de vida.
Num país onde muitos ainda dependem das rações de alimentos controladas pelo governo, a normalização com os EUA traz esperança de melhoras no padrão de vida.
Os cubanos apostam que a aproximação com os EUA irá acelerar a abertura econômica iniciada quando Raúl Castro substituiu definitivamente o irmão Fidel, em 2008. Também deve engrossar o fluxo de turistas com multidões de americanos com fama de dar generosas gorjetas.
"Negócios são bons para o governo e para a população, pois o dinheiro acaba circulando. O empreendedorismo já melhorou a vida de muita gente em Cuba", diz o taxista Roberto, 44, ao mencionar a possibilidade que cubanos já têm de abrir pequenas empresas e adquirir bens como carros e telefones.
Roberto lembra que praticamente toda família cubana tem parentes nos EUA. Segundo ele, isso manteve uma forte sintonia bilateral para além das tensões políticas.
"Sempre fomos próximos dos americanos, que chegaram até a ocupar Cuba [na virada do século 19 para o 20]. Adoramos seus esportes, como beisebol, e suas músicas. Todos os filmes que saem nos EUA acabam sendo vistos aqui", empolga-se, referindo-se a filmes que circulam em DVDs piratas e pendrives.
Nas ruas de Havana, é possível ver carrões antigos com bandeirinhas americanas cravadas no teto e no capô.
"Antes isso podia dar cadeia. Mas, já que o governo ficou amigo dos americanos, então está tudo bem", diverte-se um cubano de meia-idade. Mas, além disso, não há sinais visíveis da mudança.
Na embaixada americana em Havana, nenhuma movimentação ou preparativo chama a atenção, a não ser tapetes com brasão dos EUA secando numa área de serviço após terem sido lavados.
A formalização dos novos laços será confirmada por nota oficial do Departamento de Estado e deve acontecer em pequeno comitê e a portas fechadas na embaixada.
A inauguração pública deverá ocorrer no início de agosto, quando o secretário de Estado, John Kerry, irá a Havana e será o responsável por hastear a bandeira americana no mastro que fica em frente ao prédio.
ANSIEDADE
A aproximação também causa ansiedade. Há quem tema que a embaixada seja cavalo de troia de uma invasão capitalista que acabará com a gratuidade da saúde e do ensino de qualidade do qual muitos cubanos se orgulham.
Também se nota preocupação de que a abertura produza aumento da criminalidade, hoje em níveis irrisórios.
"Estão querendo nos convencer de que as mudanças são para melhor, mas ninguém tem ideia do que nos espera", diz uma senhora em uma lotação em Havana.
Alberto F., 44, funcionário da rádio estatal, alerta para o risco de espionagem. "Os americanos poderão circular pela ilha, por isso é preciso ter mais cuidado que nunca com os olhos da CIA", diz, ao passear com o cachorro ao lado da representação americana.
Há também os céticos, que enxergam manobra do regime para perpetuar-se no poder. "O governo é muito esperto. Ao melhorar a relação com os EUA, ele alivia a pressão internacional e melhora suas finanças. Mas o professor e o médico continuarão ganhando US$ 20 por mês", indigna-se um rapaz.
LIBERDADE POLÍTICA
Poucos cubanos acreditam que a normalização com Washington trará maiores liberdades num país de partido único onde ainda há dezenas de presos políticos. A oposição, talvez pelo temor ambiente, ainda parece incapaz de angariar apoios em larga escala.
O taxista Roberto resume um sentimento comum: "A prioridade é ajeitar a economia. E o governo já começou a fazê-lo".