Livro descreve repressão na Venezuela
Jornalista ligado a opositores compila depoimentos de estudantes torturados por forças do governo em 2014
Relatos incluem jovem violentado com fuzil e prisão de 55 dias sem luz do sol; autor quer repercussão externa
Juan Manual Carrasco sofreu hemorragia no ânus ao ser violentado com um fuzil. Marvinia Jiménez foi imobilizada no chão e atacada por uma policial a golpes de capacete na cabeça. O vídeo está na internet.
Clíder Martínez foi levado a um dos presídios mais temidos da América Latina e jogado numa cela com 22 delinquentes, entre os quais assassinos e sequestradores. Sairam Rivas passou 55 dias sem ver a luz do sol.
Os relatos estão no livro "Testimonios de la represion" ("Testemunhos da repressão", em tradução livre), recém-lançado na Venezuela para homenagear as vítimas das forças de segurança do governo de Nicolás Maduro, que esmagou violentos protestos estudantis no primeiro semestre de 2014.
São 16 depoimentos compilados pelo jornalista opositor Carlos Javier Arencibia, 24, em que se narra todo tipo de abuso físicos, psicológico e legal cometido pelas forças do Estado, incluindo a Polícia Nacional Bolivariana e o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), entre outros.
"Escrevi o livro pensando em fazer um registro histórico de tudo que aconteceu em 2014. A ideia é que sirva como prova para incriminar os donos do poder quando chegar a hora de pagarem pelo que fizeram", diz Arencibia.
"Quem manda hoje não imagina que sua hora chegará", afirma o autor, que não participou das manifestações, mas deu assessoria de comunicação aos líderes de um acampamento opositor.
Pelas contas de ONGs, o Estado prendeu 3.765 pessoas por supostos vínculos com os protestos, das quais cerca de 70 continuam detidas. Houve 43 mortes, incluindo manifestantes e policiais.
Sairam Rivas, ex-líder estudantil citada no livro, chamou de "excelente iniciativa" a publicação dos depoimentos. "Isso mostra que nada nos calará", diz a jovem, que foi solta, mas continua obrigada a se apresentar a um juiz toda semana.
Setores do governo zombaram do amplo espaço dado pelo autor a Rivas. "O caso de Sairam Rivas se estende por nada menos que 10 páginas do livro. A razão principal é que o autor foi namorado [dela]", afirma o site de um programa de TV governista. Arencibia menciona no livro sua relação com a estudante na época dos protestos.
Com prólogo da deputada cassada Maria Corina Machado, que apoiou abertamente os protestos, o livro é uma espécie de manifesto em favor da oposição mais radical.
Os protestos são chamados de "rebelião democrática", e a ala moderada da oposição, liderada pelo ex-candidato presidencial e governador de Miranda, Henrique Capriles, é tachada de "grupelho colaboracionista". Capriles se opôs aos atos por considerá-los violentos e inúteis.
Arencibia defende práticas como arremesso de pedras contra policiais, mas admite que houve excessos por parte dos manifestantes, como os arames estendidos entre postes de rua para degolar policiais e milicianos pró-governo em motos. As únicas vítimas do truque, porém, foram duas pessoas sem relação com os protestos.
Os dois casos deram munição ao governo em seu esforço para tachar os manifestantes de fascistas inimigos da classe trabalhadora.
"Aquilo foi um horror, não havia necessidade de se chegar a esse ponto", diz Arencibia, que sonha em lançar no livro no exterior.
TESTIMONIOS DE LA REPRESIÓN
AUTOR Carlos Javier Arencibia
EDITORA Libros Marcados (110 páginas)
-Sem previsão de lançamento no Brasil