Há risco de fraude em pleito venezuelano, afirma observador
Héctor Vanolli, ex-diretor do Centro Carter, em Caracas, lamenta fechamento do instituto, que monitorava eleições
Para analista, Brasil poderia ter papel mais importante dentro da Unasul para observar situação na Venezuela
Um dos mais experientes observadores eleitorais da América Latina, o argentino Héctor Vanolli passou os últimos 11 anos chefiando o Centro Carter na Venezuela.
Há dois meses, o órgão encerrou suas atividades no país, em meio à crescente dificuldade de atuar com o governo de Nicolás Maduro.
Vanolli está preocupado com o vácuo deixado pela saída do Centro Carter e com a ordem do governo de vetar observadores independentes na eleição de 6 de dezembro.
A única presença externa tolerada será uma missão da Unasul (bloco criado em 2008). Mas a missão não terá poderes reais de supervisão.
Leia abaixo sua entrevista à Folha.
Folha - Como vê a decisão da Venezuela de aceitar apenas acompanhamento da Unasul na eleição parlamentar?
Héctor Vanolli - Missões assim são conduzidas por um conselho formado por organismos eleitorais dos países-membros. E estes organismos são integrados por funcionários eleitorais. O objetivo dessas missões é promover intercâmbio de experiência e acompanhar eleições. É muito bom que haja interação, mas esse objetivo não satisfaz a demanda por uma observação integral do processo, que cubra condições da campanha, competitividade em condições de igualdade e tudo o que possa afetar o livre exercício dos direitos políticos.
A Unasul não tem como fazer essa observação integral?
A Unasul poderia incluir aspectos relativos à qualidade e à integridade do processo eleitoral. Mas isso depende da vontade política dos países-membros. O Brasil, por seu peso, poderia ter papel importante nesse sentido.
Por que há preocupação em relação à Venezuela?
Há dúvidas de importante setor da população, inclusive partidos de oposição, sobre a transparência do sistema eleitoral. Uma missão profissional poderia contribuir para o fortalecimento da confiança nesse processo. Sem ela, o risco é termos um desfecho que não satisfaça as demandas por transparência.
Quais são os aspectos mais suspeitos do sistema?
Inicialmente, importantes setores da população tinham percepção negativa do desempenho estritamente técnico das máquinas eleitorais. O temor era que as máquinas pudessem alterar resultados. Hoje a desconfiança está mais ligada ao que acontece antes da votação em si. Um dos temas mais problemáticos é a campanha. Para que um processo eleitoral seja considerado limpo, é preciso que todos os atores tenham as mesmas possibilidades de fazer chegar sua mensagem à população. Isso supõe acesso igual à mídia, algo que, na Venezuela, gera questionamentos legítimos. Também há preocupação sobre as inabilitações de candidatos e o redesenho das circunscrições eleitorais.
Qual o critério para um país receber observadores? Por que observações na Venezuela e não no Brasil?
Teoricamente não há nenhum impedimento para que haja observação no Brasil. Pode haver em qualquer país que o solicite. É mais relevante, porém, uma observação em um país que sai de um conflito interno ou que tem graves problemas de confiança pública no sistema eleitoral. Depende muitas vezes de a opinião pública ter a percepção de falta de confiança por qualquer razão na organização do processo eleitoral. Não faria sentido, e seria desperdiço de recursos, fazer observação em todos os lugares.
Muitos países dizem que uma observação é uma intrusão, uma ingerência.
A soberania é um princípio básico das relações internacionais, mas esse princípio não é absoluto. Ele está matizado com outros conceitos, como a proteção internacional dos direitos humanos. A maioria dos países assinou convênios internacionais que os obrigam a respeitar direitos humanos e políticos.