Venezuela derruba casas de colombianos
'Escavadeiras podem chegar a qualquer momento', diz deportada que teve família separada por ação de Maduro
Favela na fronteira é posta abaixo sob alegação de esconder contrabandistas e paramilitares
Dezenas de barracos em Pequeña Barinas, favela na fronteira com a Colômbia, têm a letra "D" pintada na fachada. É assim que o governo venezuelano tem marcado, nos últimos dias, as casas de imigrantes colombianos que demolirá sob alegação de abrigarem contrabandistas e paramilitares.
Outras casas foram marcadas com a letra "R", de "revista". Significa que não serão destruídas por enquanto.
A operação é parte das medidas anunciadas pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em resposta a um ataque atribuído a milicianos colombianos que feriu três soldados venezuelanos na fronteira há uma semana.
Maduro ordenou o fechamento de vários postos de passagem entre os dois países, decretou estado de exceção na região e enviou 1.500 soldados em uma operação que parece destinada a aterrorizar a comunidade colombiana radicada na área.
Mais de 1.100 colombianos já foram arrancados de suas casas e deportados, segundo os dados mais recentes. Destes, mais de 400 formalizaram, ao chegar em seu país, denúncias por maus tratos físicos e destruição de bens.
Os colombianos que escaparam da expulsão estão saindo por conta própria, em virtude de uma pressão que consideram "insuportável".
CENSO
Policiais e militares com armas pesadas circulavam nesta quarta (26) pelas ruas poeirentas de Pequeña Barinas, onde a Folha viu um blindado de guerra em patrulha.
Funcionários civis do governo iam de porta em porta questionar moradores, no aparente início do censo local anunciado na véspera por Maduro para determinar "quem vive ali".
Num dos barracos marcados com o "D" vive a dona de casa Uneida Gelvez, 64.
Ela já despachou alguns pertences para o lado colombiano, na outra margem de um córrego situado a menos de um quilômetro dali. O mais difícil, diz, é achar quem a ajude a carregar fogão e geladeira, única mobília de seu casebre sem água encanada.
"Os soldados venezuelanos vieram, checaram meus documentos e marcaram o 'D'. Eles podem vir a qualquer momento com as escavadeiras", diz Uneida.
Uma de suas filhas foi deportada domingo, deixando para trás uma menina de três anos, que brincava na rua de barro em frente ao barraco no momento da entrevista.
"Minha neta é venezuelana, então resolvemos que ela ficaria comigo até decidirmos o que fazer. Acho que vamos embora", diz a dona de casa.
Neyssa, outra filha de Uneida, tem status de refugiada como milhares de colombianos que deixaram seu país por causa da guerra entre governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), mas planeja ir embora nos próximos dias para não ser deportada.
"Quem é deportado não pode voltar à Venezuela nunca mais. Se sair por decisão própria, poderei alimentar o sonho de voltar algum dia", afirma Neyssa.
Ela ecoa muitos colombianos que preferem a Venezuela pela economia subsidiada. Hoje, estima-se que vivam no país vizinho mais de cinco milhões de colombianos.
BARRACOS MIGRANTES
Muitos dos que tiveram a casa marcada para demolição se apressam para desmontá-las para aproveitar tijolos e madeira.
"É a única forma de reduzir o prejuízo", diz Diego Sánchez, 21, retirando, peça a peça, a estrutura do barraco para levá-la à Colômbia.
Outro a sair às pressas é Eduardo Molina, 41, que carregava seus pertences nas costas na manhã desta quarta. "Soldados entraram em casa e me jogaram no chão. Eu tenho visto de residente, vivo aqui há 17 anos", disse, ao lado das cinco filhas, que ajudavam a levar os objetos.
Moradores lembram que a favela tomou forma há pouco mais de dez anos, por incentivo do então presidente venezuelano, Hugo Chávez (Barinas é o nome de seu Estado natal).
Para marcar diferença dos vizinhos estrangeiros, famílias cravaram em suas casas bandeiras da Venezuela. "Sou venezuelana, vou mostrar os documentos", disse uma senhora ao pensar que o repórter fosse do governo.
Caracas diz ter provas de que todas as casas a serem demolidas pertencem a imigrantes clandestinos ou pessoas que praticam atividades ilegais. A mídia local afirma que a polícia apreendeu gasolina, alimentos e até armas em casas de colombianos.
Boa parte dos colombianos ouvidos pela Folha admitiu, sob condição de anonimato, que pratica "comércio" (contrabando), mas ressalta que a economia nos dois lados da fronteira se move assim.
Entre as casas já derrubadas há uma onde, segundo moradores, funcionava um prostíbulo. Testemunhas dizem que militares venezuelanos eram os maiores clientes.